Nosso trabalho é pensando na comunidade!
A Organização da Sociedade Civil Tecle Mulher trabalha há mais de 10 anos promovendo os Direitos das Mulheres e o enfrentamento à violência de gênero. Os
principais meios para atingir nossos objetivos são o serviço virtual “Tecle Mulher” , a realização de palestras, oficinas e seminários. Os dados coletados através do serviço virtual Tecle Mulher são disponibilizados para pesquisas acadêmicas que, por sua vez, servirão de base para o fortalecimento de políticas públicas de gênero.
Desta forma, a sociedade muda junto conosco!
Caso queira acessar nossos artigos e documentos, veja mais abaixo!
Laura Mury (*)
O “Pacote Antifeminicídio” veio reforçar a Lei 13.104/2015 que definiu como feminicídio o assassinato de mulheres dentro das circunstâncias domésticas ou familiares, ou por discriminação pela condição da vítima em ser mulher. A mesma Lei determina que seja um crime considerado hediondo. Com a Lei 14.994/2024, denominada “Pacote Antifeminicídio”, o feminicídio torna-se também crime autônomo (com características próprias) o que agrava ainda mais a pena, que era de 12 a 30 anos, passando para 20 a 40 anos de prisão. Outras mudanças importantes implementadas foram as perdas, pelo assassino, de cargo, função pública ou mandato eletivo quando ele o exerça. Quanto aos filhos, da mesma forma, o assassino não mais terá direito algum sobre eles.
São reforços muito importantes para reprimir ou amedrontar o agressor no momento que acontece o ápice do ciclo da violência doméstica, quando o agressor mata sua vítima. Infelizmente, o feminicídio vem aumentando de forma avassaladora no país. Somente no ano passado, o Brasil registrou oficialmente 1.467 mortes de mulheres por feminicídio e, até o primeiro semestre de 2024, cinco mulheres foram assassinadas por dia – (dados do Laboratório de Estudos de Feminicídio (LESFEM) da Universidade de Londrina.
Em abril deste ano, Nova Friburgo contou com mais um triste e violento caso de feminicídio. Nesses últimos cinco anos ocorreram 7 feminicídios no município, computando um índice maior de feminicídios do que a cidade do Rio de Janeiro em relação ao número de 100.000 habitantes conforme dados do ISP e estudos do Tecle Mulher.
Já se completaram os dezoito anos da Lei Maria da Penha e nove anos da Lei do Feminicídio! Infelizmente, como percebemos pelos dados informados acima, os resultados não são os mais gratificantes. Percebemos ainda um deserto de políticas públicas especializadas, principalmente no interior do país, voltadas a oferecerem o primeiro apoio às mulheres vítimas de violência, que são os Centros de Referência da Mulher. Quando essas políticas existem, a maioria ainda necessita de mais profissionais e horários estendidos para os atendimentos. Além disso. é necessário a formalização de uma Rede Multissetorial de proteção às mulheres e crianças vítimas da violência doméstica, onde os organismos da saúde, segurança pública, justiça e assistência social se comuniquem e interajam de forma a oferecer essa segurança tão indispensável, mesmo antes que as agressões cheguem à forma física.
Muito importante é fazer cumprir a Lei Maria da Penha pelos organismos públicos da segurança e justiça, no sentido de que sejam realizados todos os procedimentos cabíveis na Lei, para que a mulher vítima e seus filhos possam continuar em sua casa com total proteção.
E, como forma de prevenção à violência contra a mulher, é preciso educar as crianças fazendo-as entender que só se conquista uma vida sem violência dentro de atitudes de respeito entre os meninos e meninas. Para tanto, o Tecle Mulher vem realizando o Projeto “Multiplicando Abraços” em escolas estaduais de 10 municípios da região serrana do RJ.
Outro ponto importante são os espaços na mídia para a divulgação, tanto das Leis (de forma mais didática possível), assim como dos serviços da rede de proteção para o conhecimento de toda população. A falta desse conhecimento, pela sociedade em geral, faz-nos lembrar do júri popular de Nova Friburgo que, em fevereiro de 2022, decidiu por homicídio doloso e não como feminicídio – pena de 19 anos e 4 meses – o bárbaro crime de Rodrigo Marotti, que matou incendiadas vivas Alessandra Vaz e Daniela Mouzinho.
O Tecle Mulher dispões de um espaço virtual gratuito e anônimo, voltado ao apoio, orientação jurídica e encaminhamento à rede de proteção às mulheres vítimas de violência através do site www.teclemulher.org.br . O Tecle Mulher também disponibiliza palestras e material informativo sobre a Lei Maria da Penha
(*) Laura Mury – Ativista Feminista, Ecologista, Professora, Gestora em Direitos Humanos; Mentora e Fundadora do serviço virtual Tecle Mulher e da OSC Tecle Mulher – Assessoria e Pesquisa no Âmbito dos Direitos da Mulher.
Por que a Sentença dada a Willim Hottz – feminicida de Yasminny Couto Ribeiro, assassinada por ele em fevereiro deste ano de 2023, no município de Sumidouro – foi quase idêntica ao caso de Rodrigo Marotti, feminicida de Alessandra Vaz e Daniela Mouzinho, ambas queimadas vivas em 2019 ?
William Hottz – Crime de homicídio – condenado a 20 anos e 8 meses e R$ 50.000,00 de indenização à família!
Marotti – Crime de incêndio resultando em morte – condenado a 19 anos e 4 meses!
Ambos os casos não foram considerados feminicídios!
As penas apresentam diferença de meses pelo tempo de reclusão, sendo que Rodrigo já estaria em liberdade desde março deste ano.
Causas e Consequências:
O ápice de toda violência contra a mulher é o feminicídio e, na falta de uma justiça realmente justa para com as mulheres, os agressores se sentem incentivados a cometerem seus crimes, cada vez mais, com requintes de covardia e crueldade. Triste exemplo aconteceu em Nova Friburgo, na semana passada, quando Natanael Xavier enforcou com cabo de aço Natali Xavier da Silva.
A Região Serrana do Estado do Rio de Janeiro já conta com cinco vítimas dos seus “ex”, todos não conformados com a separação – argumento ardilosamente e constantemente utilizado para surtir um efeito de “pessoa apaixonada por suas vítimas!”. No entanto, as vítimas não têm mais vida para se defenderem e os criminosos continuarão vivos e, depois de um pequeno período na prisão, saem em liberdade para replicarem suas violências em outras vítimas!
Até 2006: Socos, Pontapés, dentes quebrados = Uma cesta básica!
Antes da Lei Maria da Penha, as violências domésticas eram consideradas de menor potencial ofensivo e resolvidas no Juizado Especial Criminal onde, geralmente o agressor tinha a pena de pagamento de uma cesta básica, a qual, muitas vezes, saía dos recursos familiares da vítima. A violência contra a mulher, para ser considerada crime, era necessário que a mulher estivesse com ferimentos ou fraturas graves. A violência psicológica ou sexual nem eram levadas com relevância, pois não tinham como ser avaliadas e, o mais grave, toda violência cometida no âmbito doméstico precisava de testemunha! A vítima permanecia em convivência com o agressor pois, se saísse da residência seria considerado abandono do lar. Pouco tempo depois da denúncia, por condição e ameaças do agressor, a vítima retirava a queixa.
2006: A Lei de Proteção:
A grande importância da Lei Maria da Penha consiste em dar condições de proteção à mulher, dando à vítima credibilidade em suas declarações e oferecendo a ela a oportunidade do afastamento do agressor da convivência doméstica. Assim, a mulher permanece em casa com os filhos e ainda consegue a pensão alimentícia através da solicitação das medidas protetivas de urgência. Não existe a necessidade de provas, no entanto ainda existe muita resistência dentro das Delegacias no sentido da não exigência de provas, porém quando bem orientada e acompanhada, a vítima procederá de maneira a exigir que a Lei seja cumprida.
Os serviços de apoio:
Através das extraordinárias ações de defesa dos Direitos das Mulheres e incidência política executadas pelos Movimentos Feministas e de Mulheres, foram criados importantes serviços públicos especializados para o apoio às vítimas, de violência doméstica e familiar, como os Centros de Referência da Mulher, as Delegacias da Mulher; os Juizados Especializados em Violência contra a Mulher; o Núcleo de Defesa da Mulher – NUDEM da Defensoria Pública e os atendimentos telefônicos e virtuais para denúncias, principalmente o 180 entre outros serviços das organizações sociais como o Tecle Mulher.
No entanto, para a reversão do grave quadro de violência de gênero que se apresenta no país, é preciso uma grande ação educativa e informativa voltada à mudança social, onde ainda impera o poder masculino sobre o feminino. Entramos na segunda década do século XXI e a sociedade ainda reserva ao homem o direitos de se achar “dono” dos atos, destinos e vida das mulheres. Exemplo claro nos mostra as duas sentenças dadas aos assassinos de Yasminny, Daniela e Alessandra.
Bom saber:
Qual a diferença entre feminicídio e homicídio?
Homicídio é o ato de matar uma pessoa, independente do seu gênero e tem pena de seis meses a 20 anos de prisão.
Feminicídio é o assassinato envolvendo violência doméstica e familiar, menosprezo ou discriminação à condição de mulher da vítima. É considerado crime hediondo e as penas variam de 12 a 30 anos de prisão.
Como evitar a permanência numa relação violenta?
Procurar orientação e ajuda especializada logo nos primeiros sinais de violência é o caminho mais seguro!
“Não se sinta só!”
Por Nai Frossard – 28/11/22
Friburgo registra esse ano 1.030 de casos de violência contra a mulher, segundo Tecle Mulher
População quer ampliação na assistência às mulheres agredidas | Foto: Reprodução/Governo do Estado
De acordo com dados da Organização das Nações Unidas (ONU), 7 em cada 10 mulheres vão sofrer violência ao longo de suas vidas.
Na sexta-feira, dia 25 de novembro, foi celebrado o Dia Internacional da Não-Violência contra a Mulher, data oficial das Organizações das Nações Unidas (ONU).
Muitas pesquisas são reveladoras e mostram uma radiografia do comportamento masculino nos casos de agressão contra mulheres, que muitas vezes, são fatais.
A diretora da organização Tecle Mulher, Laura Mury, informou que Nova Friburgo registrou esse ano 1.030 de casos de violência contra a mulher, sendo que 600 casos de violência doméstica.
Desse total, 20% foram atendidos pelo Tecle Mulher.
Laura Mury informa que número é maior do que ano passado. Em 2021 foram 924 registros em Friburgo (605 casos de violência doméstica).
Recentemente a pesquisa realizada pelo IPEC – Inteligência em Pesquisa e Consultoria Estratégica mostrou que metade dos brasileiros conhece uma mulher que já foi agredida pelo parceiro ou ex, mas 94% dos homens dizem nunca ter agredido.
Laura Mury analisa:
Isso demonstra que, para os homens, manter uma posição machista no relacionamento está dentro dos padrões sociais, mesmo que as leis estejam avançadas para a garantia dos direitos iguais entre homens e mulheres e para a proteção das mulheres.
Ao saber da agressão, a maioria (53%) aconselhou as vítimas a denunciar à polícia ou terminar o relacionamento. Mais mulheres (55%) do que homens (47%) recomendaram buscar ajuda especializada.
A pesquisa revelou que 66% consideram que a mulher agredida deve procurar primeiro uma delegacia da mulher.
O que elas fazem
Mas a pesquisa mostrou que a maioria – 42% – procurou uma delegacia de polícia, enquanto 39% procurou delegacia da mulher e 31% amigos e familiares.
A dependência financeira é um dos principais motivos que as mulheres não conseguem sair de uma relação violenta: 53% dos entrevistados tem essa percepção.
Para Laura Mury, “o desconhecimento de sua autonomia financeira faz com que permaneçam na relação”.
Medo da morte
De acordo com a pesquisa, dois em cada cinco entrevistados acreditam que elas têm medo de serem mortas e, uma parcela igual, menciona o medo de perder a guarda dos filhos.
O acolhimento da família e amigos é considerado o apoio mais importante para que essas mulheres saiam da relação violenta: 58% reconhecem como principal suporte.
Para se proteger do agressor, 53% apontam o apoio do Estado (Polícia, Justiça, por exemplo) como fundamental.
Grande maioria – 93% – acredita que as pessoas devem dar apoio ou denunciar quando perceberam que uma mulher está sendo ameaçada.
O que pensam os agressores:
A pesquisa revela uma informação de destaque: 85% dos homens sabem que a violência doméstica contra mulheres é crime, mas continuam porque acreditam que não serão punidos.
A pesquisa mostra um consenso: 99% dos entrevistados acham que o número de serviços de assistência às mulheres agredidas deve ser ampliado e 98% concordam que deve aumentar o número de delegacias especializadas no atendimento à mulher.
Laura Mury ressalta:
A implantação de serviços especializados em cada município é de suma importância para a erradicação da violência contra a mulher. A dificuldade de procurar apoio aos serviços públicos das mulheres do interior, principalmente das áreas rurais, são índices ainda obscuros para a sociedade.
Rede Mulher
Uma das ferramentas para socorrer vítimas de violência, é o Aplicativo Rede Mulher, criado em outubro pelo Governo do Estado e desenvolvido pela Polícia Militar.
O App já teve 11,5 mil downloads e o botão de emergência permite contato eletrônico com o 190, que foi acionado 64 vezes durante este período, resultando em 23 atendimentos.
Além do botão de emergência, no aplicativo, a mulher pode ser redirecionada para o site da Polícia Civil para fazer um registro de ocorrência online.
Outra funcionalidade é o modo camuflado, que quando acionado muda de aparência e só pode ser acessado por login e senha.
Há também um passo a passo de como solicitar um pedido de medida protetiva e uma lista com os centros especializados de atendimento à mulher.
Em um mês, a funcionalidade foi acionada 249 vezes. O aplicativo vai ganhar ainda um ícone que vai permitir que as mulheres atendidas possam entrar em contato direto, por mensagem de texto, com os policiais militares da Patrulha Maria da Penha – Guardiões da Vida.
O aplicativo Rede Mulher é gratuito e pode ser encontrado nas lojas virtuais App Store e Google Play.
Deam, Centro de Referência da Mulher (Crem) e Tecle Mulher
Em Nova Friburgo, o atendimento também pode ser feito pela Delegacia da Mulher, Centro de Referência da Mulher (Crem) e pelo Tecle Mulher.
O Tecle Mulher funciona Avenida Alberto Braune, 24, no Centro, sala 506, em Friburgo. Os telefones para contato são (22) 2522-2142 e (22) 2522-2142.
As vítimas de agressão – ou quem testemunha casos de violência contra a mulher – podem entrar em contato com a Deam pelo número 180.
O telefone é referente a Central de Atendimento à Mulher em Situação de Violência e, é um serviço público, gratuito e que preserva o anonimato do denunciador se assim solicitado. Outra forma de denunciar é pelo Disque 100.
Um outro serviço de atendimento a mulheres vítimas de agressão em Nova Friburgo é feito pelo Cento de Referência da Mulher (Crem) e as denúncias são recebidas pelo telefone (22) 2525-9226.
Continue a leitura.Por Jarid Arraes Desde quando nascemos, somos ensinados o que podemos ou não podemos fazer de acordo com nosso gênero. O doutrinamento de gênero começa com as cores dos enxovais, os brinquedos que ganhamos de presente e o tipo de roupa que nossos pais nos dão para vestir. Meninas usam vestidinhos de princesas, meninos usam […]
Por Jarid Arraes
Desde quando nascemos, somos ensinados o que podemos ou não podemos fazer de acordo com nosso gênero. O doutrinamento de gênero começa com as cores dos enxovais, os brinquedos que ganhamos de presente e o tipo de roupa que nossos pais nos dão para vestir.
Meninas usam vestidinhos de princesas, meninos usam camisetas de super heróis. Enquanto os garotos brincam com carros, brinquedos de montar e praticam atividades que lhes estimulam o contato com o mundo exterior, as meninas recebem jogos de panelas, pias, utensílios domésticos de brinquedo e aprendem a brincar com bonecas, fingindo que são mães. As garotas ganham Barbies de cabelos loiros, com corpos irrealmente magros, e escutam que precisam ser bonitas e agir como donzelas.
Isso é o que chamo de doutrinação de gênero. Nossa cultura tem uma forte ideologia de gênero sendo disseminada pela sociedade, nas escolas, nos ambientes de lazer e nas famílias brasileiras, sejam ela tradicionais ou não. E a pior parte disso é que essas ideias sobre o que é “ser menino” ou “ser menina” estão contaminadas por hierarquizações; ou seja, as crianças acabam aprendendo que meninos podem fazer mais coisas e que as meninas devem agir de maneira submissa e contida. Na prática, o machismo é perpetuado: os homens aprendem a ser predadores e as mulheres enfrentam altos índices de violência machista – aquela que acontece contra as mulheres por motivações misóginas, como a ideia de que devem obedecer seus parceiros ou que não podem rejeitar um avanço sexual.
Se você ainda não entende a relevância desse tema, veja cinco motivos pelos quais as questões de gênero precisam ser discutidas ainda na escola:
– Divisão desigual de tarefas domésticas
A Plan Brasil realizou uma pesquisa com meninas de 6 a 14 anos, em 2014, e os resultados mostram que a desigualdade entre homens e mulheres começa em casa: 76,3% dos lares são cuidados exclusivamente pela mãe. E já que a mãe é a responsável pelos cuidados domésticos e infantis, a ideia de que mulheres devem ser as únicas responsáveis por essas tarefas se naturaliza. Por isso, 81,4% das meninas entrevistadas responderam que arrumam a própria cama, 76,8% lavam a louça e 65,6% limpam a casa, enquanto apenas 11,6% dos seus irmãos arruma a própria cama, 12,5% lavam a louça e 11,4% limpam a casa.
Por qual motivo as garotas são as únicas que “ajudam” as mães nos cuidados domésticos, enquanto os garotos desfrutam de mais tempo livre para brincar e estudar? Esse tipo de informação ainda soa muito naturalizada para as pessoas; afinal, mesmo entre adultos, essa divisão do trabalho é uma realidade. Enquanto os homens descansam, as mulheres se desdobram em jornadas triplas de trabalho: fora de casa, dentro de casa e com as crianças.
Se as questões de gênero fossem discutidas nas escolas, as crianças teriam a oportunidade de entender que todos são responsáveis pelos cuidados do lar e que a paternidade não é isenta de tarefas dedicadas aos filhos.
– Machismo no ambiente educativo
Segundo uma recente pesquisa realizada pela Agência ÉNois, com garotas entre 14 e 24 anos, 39% já sofreram algum tipo de preconceito na faculdade por serem mulheres. Ou seja, as garotas podem até estudar, mas nem por isso deixam de enfrentar o machismo dentro das salas de aula. Em muitos casos, os professores são os próprios responsáveis pelas situações de discriminação, quando tecem comentários sexistas ou constrangem suas alunas. Além disso, os colegas homens também podem exercer um papel assediador e agressor nesses ambientes – muitas universidades brasileiras enfrentam casos gravíssimos de estupro e violência contra as alunas.
No ambiente escolar infantil, a discriminação pode existir de maneiras naturalizadas – como a divisão desigual do acesso aos esportes, quando os meninos têm mais dias e tempo na quadras, ou quando atividades são separadas de acordo com o gênero das crianças.
– O machismo amedronta as garotas
De acordo com os dados divulgados pela Agência ÉNois, 94% da jovens entrevistadas já sofreram assédio sexual verbal feito por homens, enquanto 90% já deixaram de fazer alguma coisa devido ao medo da violência. Se 9 entre cada 10 garotas já deixaram de fazer algo por conta do medo de sofrerem assédio, de serem vítimas de estupro ou de enfrentarem outros tipos de violência, isso mostra que nossa sociedade não permite que as mulheres sejam realmente livres. Essa falta de liberdade encontra reforço no silêncio e na ausência de discussões educativas sobre o que é machismo.
Para que esses números diminuam, é preciso que os garotos aprendam, desde cedo, que o respeito pelas mulheres é algo mandatório. Não estamos falando aqui de ensinar qual time torcer, qual religião professar ou que tipo de posicionamento político adotar; falamos sobre violência, de mulheres apanhando, sendo estupradas e morrendo. O respeito pelas mulheres não é opcional ou questão de opinião.
– O machismo afeta o desenvolvimento das garotas
Segundo as informações colhidas pela Agência ÉNois, 77% das garotas acham que o machismo afeta seu desenvolvimento. Isso acontece porque as meninas crescem ouvindo que não podem realizar certas atividades, que determinadas profissões são “masculinas” ou que elas devem adotar um tipo de comportamento que as limita. Ditar barreiras que as meninas não podem transpor só pelo fato de seres meninas é algo que prejudica muito o seu desenvolvimento – isso mina sua autoconfiança, destrói sua autoestima e as ensina que não são capazes, somente por serem do gênero feminino.
– Trabalhar a igualdade na escola pode ser muito simples
Esqueça os longos textos cheios de termos acadêmicos e as discussões complexas sobre o que é gênero e o que é sexualidade – eles podem ter um papel importante na Universidade e em outros ambientes educativos, mas, com crianças, as questões de gênero são muito mais simples.
Estimular que as crianças se divirtam juntas, sem fazer distinção entre elas, sem impor que brinquem com brinquedos e atividades separadas pelo gênero – ou ainda permitir que adolescentes transgênero tenham um ambiente seguro onde sejam respeitados – são coisas desenvolvidas na prática, de maneira tão fluida quanto são naturalizadas as ideias machistas.
Professores capacitados se tornam aptos a discutir sobre questões de gênero de maneira acessível, utilizando exemplos, atividades lúdicas e conversas sinceras. Até mesmo um desenho animado pode repassar mensagens positivas sobre equidade entre meninos e meninas. As crianças são capazes de aprender muito rapidamente – para assimilarem e reproduzirem valores de respeito umas pelas outras, somente uma educação livre de machismo será capaz de favorecer.
Eduque-se também
A menos que você pense que homens são superiores às mulheres e que as coisas devem ser mantidas como estão – ou ainda que devem voltar a um modelo mais parecido com o do passado, onde mulheres eram ainda mais submissas e mais dependentes dos homens -, defender que questões de gênero sejam discutidas nas escolas é uma excelente opção. Talvez essa seja melhor forma de promover a equidade e combater os altos números de estupros, feminicídios e violência doméstica, além de desestimular a desigualdade salarial e outras tantas mazelas que se baseiam no machismo.
Muitos julgam ter a cabeça já bem “moderninha” e pensam que os tempos são outros. Porém, por mais que tenhamos avançado bastante na conquista dos direitos das mulheres, no dia-a-dia a cultura machista ainda é dominante. Embora leis sejam importantes, elas não solucionam definitivamente o problema da violência contra a mulher, porque somente um esforço educativo pode disseminar valores de igualdade e respeito. Por isso, discutir gênero nas escolas é importante e urgente: afinal, o papel do ambiente escolar não é somente preparar os alunos para provas e vestibulares, mas também promover a cidadania e a responsabilidade social para professores, coordenadores, funcionários, alunos e suas famílias.
Aproveite que o assunto tratado é educação e eduque-se com responsabilidade.
(*Cordelista, escritora e jornalista na Revista Fórum, onde também mantenho a coluna Questão de Gênero. Trabalho escrevendo e realizando ações de educação popular sobre cidadania, diversidade sexual e de gênero, direitos da mulher e questões raciais. Até o momento, tenho mais de 30 títulos publicados em Literatura de Cordel, incluindo publicações em parceria com a Artigo 19 e o Think Olga.
O Brasil está em estado de choque após o caso da adolescente do Rio de Janeiro que foi estuprada por diversos homens, tendo sua imagem exposta nas redes sociais, por iniciativa desses autores do crime, que contam com a impunidade estatal e a aprovação social. Casos semelhantes são verificados em outras regiões do Brasil, tendo sido amplamente divulgado três casos de estupro coletivo de adolescentes no Piauí. Nesse contexto, o atual debate sobre a denominada “cultura do estupro” pode gerar resultados positivos, isso se mudarmos os paradigmas para a efetivação das leis já existentes.
Em todos os casos, iniciaram-se imediatamente ataques às vítimas, às suas condutas, aos seus comportamentos, aos seus antecedentes infracionais e à forma como se vestiam. Tais questionamentos decorrem da cultura brasileira, que ainda é significativamente machista e patriarcal. Por essa razão, a vítima é muitas vezes vista como a principal responsável e “culpada” pelo estupro que sofreu. Um dos investigados, como no caso do estupro coletivo do Rio, verbalizou que a vítima não deveria estar naquele local. Nas redes sociais, algumas pessoas sustentam que, se a vítima estava no baile funk, isso indicou aos autores do crime que a jovem estava disponível. Outras pessoas comentam que se a adolescente era usuária de drogas, isso demonstraria que a vítima anuiu com o ato sexual.
O que a sociedade precisa compreender é que o estupro é um crime contra a dignidade sexual da vítima, portanto, se há violência ou grave ameaça e não houve consentimento, configura-se o crime. Se a vítima estava no baile funk ou não, a forma como ela estava vestida, a forma como ela se comportava, nada disso importa se ela não consentiu com a prática do ato sexual. O sistema de Justiça precisa começar a respeitar e dar uma maior credibilidade à palavra da vítima.
O estupro é um crime gravíssimo. As consequências para a vítima são nefastas e permanecem para o resto da vida. Uma jovem chamada Isadora, que estudava na Universidade Seropédica Rural do Rio de Janeiro, três anos e meio após ter sido estuprada por colegas, dentro de um dormitório da própria instituição, não aguentou a pressão, adoeceu, entrou em depressão e se matou em maio deste ano.
O estupro atinge em grande quantidade as crianças, em especial as meninas. A ginecologista Cláudia Cabral descreveu, com detalhes, um caso de terrível de uma menina de apenas 10 anos de idade que foi vítima de um vizinho: “Ela estava muda por mais de 2 meses, e o único som que eu ouvi foi um choro baixo e doído. O exame ginecológico era indescritível. Parecia ter sido submetida à tortura com aqueles aparelhos medievais inimagináveis. Sua vulva era um buraco só. Havia ruptura perineal completa, unindo uretra, vagina e ânus num buraco irregular e único. Imaginei a dor física. Só imaginei. Imaginei a dor psicológica. Só imaginei. E chorei. Nunca me esqueci. O que nunca consegui imaginar foi que criatura teria feito aquilo com ela. Estou sem resposta até hoje”[1].
Nesse tipo de crime, por mais surpreendente que possa parecer, o agressor normalmente é alguém conhecido da vítima, como um vizinho, ou alguém que tem um grau de parentesco e relação de autoridade com a vítima, como o pai, o padrasto, o tio ou o avô. Como proteger as meninas se elas são atacadas dentro do local onde deveriam ser protegidas, como o seu lar?
Casos como esses não podem acontecer, portanto, devemos trabalhar diariamente nessa questão no âmbito do Grupo de Enfrentamento à Violência Doméstica do Ministério Público do Estado de São Paulo. Precisamos dar um basta à violência sexual contra crianças, adolescente e mulheres. Porém, como dar efetividade às leis já existentes?
Após o clamor público do caso do estupro coletivo no Rio de Janeiro, o Congresso Nacional correu para editar uma lei que aumenta as penas em caso de estupro coletivo. O discurso de criação de leis, sem o devido aparelhamento dos órgãos e desenvolvimento de políticas públicas, é um discurso vazio. Estima-se que apenas entre 10% e 35% dos estupros no Brasil sejam relatados às autoridades ou ao sistema de saúde. Mesmo com essa subnotificação notória, a polícia brasileira registra o altíssimo número de 1 caso de estupro a cada 11 minutos.
O Ministério da Saúde fez levantamento sobre o impacto da violência contra as mulheres no Brasil e chegou à conclusão de que mais da metade das mortes de mulheres e adolescentes vítimas de estupro são de jovens com menos de 19 anos. Das adolescentes e crianças menores de 13 anos que deram à luz no ano passado, pelo menos 6% foi vítima de estupro[2].
Os crimes sexuais já recebem uma pena longe de ser baixa e, nos casos do estupro de vulneráveis, já são considerados crimes hediondos, portanto, a simplificação do aumento simbólico das penas não terá resultados efetivos[3]. Nos termos do Código Penal, entende-se por estupro: “Constranger alguém, mediante violência ou grave ameaça, a ter conjunção carnal ou praticar ou permitir que com ele se pratique outro ato libidinoso”, com pena de 6 a 10 anos de reclusão. Caso resulte em lesão corporal grave, a pena é de 8 a 12 anos de reclusão. No caso de resultar em morte, a pena é de 12 a 30 anos de reclusão. No caso do estupro de vulnerável, ou seja, “ter conjunção carnal ou outro ato libidinoso com menor de 14 (quatorze) anos”, a pena é de 8 a 15 anos. Na mesma pena incorre quem pratica tais atos com pessoa que tem enfermidade ou deficiência mental. Se resulta lesão grave, a pena é de 10 a 20 anos, e se resulta morte, 12 a 30 anos.
Na área da saúde reprodutiva da mulher, os avanços e retrocessos são evidentes: se por um lado existe a Lei 12.845/2013, que prevê a obrigatoriedade de atendimento no SUS às meninas e mulheres vítimas de violência sexual, por outro lado, já foi aprovado pela Comissão de Constituição e Justiça da Câmara dos Deputados, o famigerado PL 5.069, de autoria do deputado Eduardo Cunha, que pretende impedir que as mulheres e meninas tenham pleno acesso ao SUS, dificultando muito o caminho das vítimas de estupro. O uso de contraceptivo de emergência, a proteção contra a gravidez indesejada, a prevenção de HIV e de outras doenças sexualmente transmissíveis são direitos da vítima e importantes providências para o apoio e cura de seus traumas psicológicos e físicos. Em São Paulo, existe o Hospital Pérola Byington, que é referência nessa área, onde meninas e mulheres de distintos locais procuram ajuda e atendimento. Todavia, sabemos que no Brasil não existem equipamentos de saúde adequados e em número suficientes, tanto no interior de São Paulo, como em todos os estados do Brasil, desde a região Sul até a Norte.
A Constituição brasileira assegura a igualdade entre todos os brasileiros, sendo vedada qualquer forma de discriminação. A violência sexual é uma forma de discriminação. A interpretação da lei não pode ser feita de forma literal, mas deve levar em conta todo o sistema jurídico, inclusive o texto constitucional e os tratados internacionais que foram ratificados pelo Brasil, como a Convenção CEDAW (Convenção sobre a Eliminação de todas as Formas de Discriminação contra a Mulher) — e todos vedam a discriminação e a violência contra a mulher — e a Convenção Belém do Pará[4].
O Estado brasileiro precisa cumprir com suas obrigações contidas no Direito interno (Código Penal e Constituição Federal) como nos tratados internacionais, proporcionando a prevenção dos crimes de estupro e a sua punição também, além de oferecer o acesso à saúde às vítimas de estupro.
Chegou o momento da mudança de paradigmas e efetivação das leis existentes. O Ministério Público Democrático trabalha nessa direção. Que o choque proporcionado por esses trágicos casos das adolescentes do Rio de Janeiro ou das jovens do Piauí, todos seus sofrimentos, desesperos e de todas as meninas e mulheres vítimas de estupro no Brasil não tenham sido em vão, e que sejam capazes de gerar uma maior proteção às meninas e mulheres e proporcionar um debate mais aprofundado sobre a “cultura do estupro” e a necessidade de desenvolvimento de equidade de gênero. Por uma política mais inclusiva das mulheres em todos os níveis de governo. Menos tolerância com a violência contra as mulheres e meninas, educação sexual e de gênero nas escolas e universidades, o peso das leis para investigar, processar e punir os autores de estupro, sem demagogias como o aumento simbólico de penas, mais sensibilidade de gênero em todos os níveis de governo, Executivo, Legislativo e Judiciário. Por fim, temos que ter a consciência de que não podemos retroceder nos avanços já conquistados, e dizer um sonoro “não” ao famigerado PL 5.069, e aos pretendidos retrocessos de não permitir o aborto legal, em caso de estupro.
A sociedade brasileira, por meio de distintos órgãos, está expressando sua mobilização e indignação, em especial as jovens estudantes e feministas, nascendo dessa maneira uma nova luz e uma forte esperança de transformação social e de incansável combate à “cultura de estupro”, que não apenas existe, mas também mata.
*Texto modificado às 17h do dia 13/6/2016 a pedido da autora.
[1] Reportagem da Globo News, http://g1.globo.com/globo-news/noticia/2016/06/medica-faz-relato-emocionado-sobre-menina-vitima-de-estupro-aos-10-anos.html, em 9/6/2016.
[2] O Estado de S. Paulo, http://brasil.estadao.com.br/noticias/geral,metade-das-mulheres-vitimas-de-estupro-que-morrem-tem-menos-de-19-anos,10000055961, em 9/6/2016.
[3] BERCLAZ, Márcio, Precisamos mais do que nunca discutir educação sexual, Justificando, 8/6/2016.
[4] PAES, Fabiana, Estupro: crime e consentimento, Jornal do Brasil, http://www.jb.com.br/sociedade-aberta/noticias/2016/06/03/estupro-crime-e-consentimento, em 8/6/2016.
15 anos se passaram após o sancionamento da Lei 11.340/2006 – Lei Maria da Penha, na data de 7 de agosto de 2006, pelo presidente Lula da Silva.
A Lei Maria da Penha foi criada para cumprir determinações estabelecidas por uma convenção específica da Organização dos Estados Americanos (OEA), intitulada “Convenção para punir, prevenir e erradicar a violência contra a mulher”, realizada em Belém (PA) e ratificada pelo Brasil. A determinação ocorreu após o reconhecimento da ineficiência de proteção às mulheres vítimas de violência doméstica pelo Estado Brasileiro. A Lei teve como embasamento a luta para a punição do agressor de Maria da Penha, que tentou matá-la por meio de afogamento e eletrocussão, e só foi punido depois de 19 anos de julgamento, ficando apenas dois anos em regime fechado.
Desde os anos 70, os movimentos sociais voltados à garantia dos Direitos das Mulheres, vêm lutando para a reversão dos abomináveis atos de covardia que fazem sofrer as mulheres e seus filhos e filhas assim como terminam tragicamente com a vida de milhares de mulheres brasileiras.
Idealizada pelos movimentos sociais para a proteção das mulheres vítimas de violência doméstica e familiar e para punir seus agressores, a interpretação da lei Maria da Penha (Lei 11.340/06) passou por uma série de mudanças desde 2006, ano em que entrou em vigor como descrevemos a seguir:
1- O crime de descumprimento de medidas protetiva foi tipificado;
2- Mecanismos: baseados no artigo 5º da lei, que conceitua como violência doméstica e familiar como qualquer ação ou omissão baseada em gênero que cause morte, lesão, sofrimento físico, sexual ou psicológico, além de dano moral ou patrimonial, foram ampliados. A aplicação se dá independentemente de qual a relação íntima de afeto entre as partes e da coabitação entre vítima e agressor (artigo 5º, III). Dessa forma, a lei não mais se limita à violência praticada por maridos contra cônjuges. Algumas decisões judiciais já admitiram, por exemplo, a proteção da lei em casos de agressão de mãe contra filha, padrasto contra enteada, neto contra avó, neto da patroa contra a empregada, entre outros. Assim, as partes não precisam dividir a habitação e o agressor não deve necessariamente ser homem. A vítima, contudo, precisa ser mulher, cisgênero ou transsexual.
3- Em 2017 foi publicada a Lei 13.505/17, estabelecendo que mulheres em situação de violência doméstica e familiar devem ser atendidas, preferencialmente, por policiais e peritas do sexo feminino. A mesma Lei também garante o direito de que a mulher em situação de violência, assim como seus familiares, não tenha contato com testemunhas, investigados ou suspeitos de cometerem o crime.
4- Em 2018, a normativa passou por uma nova alteração. Dessa vez, com a Lei 13.772/18, determinando que a violação da intimidade da
mulher seja reconhecida como violência doméstica e familiar. Os casos de registro não autorizado de cenas de nudez ou de ato sexual também foi criminalizado.
5- Em 2019, duas normativas estabeleceram mudanças na lei Maria da Penha. Uma delas, a Lei 13.827/19, autorizando, em alguns casos, que a autoridade judicial ou policial aplique medidas protetivas de urgência. Outra alteração veio com a Lei 13.926/19, que tornou obrigatório que seja informado quando a vítima for pessoa com deficiência.
6- Em 2020 – Foi sancionada a Lei 13.984/2020 determinando que agressores de mulheres possam ser obrigados a frequentar centros de reeducação, acompanhamento psicossocial a partir da fase investigatória de cada caso verificado de violência contra a mulher. Essas medidas entraram no rol das Medidas Protetivas de Urgência. A nova lei deixa claro que a reeducação não livrará o cumprimento da eventual pena ao final do processo, decidida contra o agressor no âmbito do processo judicial pela agressão.
7- Em 2021 – Lei 14.1/2021 cria o programa Sinal Vermelho contra a Violência Doméstica e Familiar. O texto também inclui no Código Penal (Decreto-Lei 2.848, de 1940) o crime de violência psicológica contra a mulher.
(Fonte: Agência Senado)
A Lei Maria da Penha se constitui de um marco para a salvação da vida de milhões de mulheres. No entanto, ainda não é compreendida nem usada adequadamente por uma grande parte do sistema de proteção do estado brasileiro.
É necessário que as mulheres, quando busquem ajuda, saibam dos seus direitos e das formas de proteção que a Lei Maria da Penha lhes
oferece para garantir, pelo Estado, um atendimento especializado.
O serviço virtual Tecle Mulher oferece o apoio emocional, orientação jurídica e encaminhamento aos serviços públicos ou privados especializados que lhes permitam sair do ciclo da violência e viverem, juntamente com seus filhos e filhas com Justiça e Dignidade!
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Tecle Mulher – Assessoria e Pesquisa no âmbito dos Direitos da Mulher – O Tecle Mulher É A Assessoria e Pesquisa no âmbito dos Direitos da Mulher é uma Organização da Sociedade Civil de Interesse Público- OSCIP com CNPJ devidamente regularizado e sediada em Nova Friburgo RJ. A instituição tem por missão promover globalmente os Direitos Humanos de forma ampla, com ênfase nos Direitos e Cidadania das Meninas e Mulheres Brasileiras em todas as suas diversidades e vem atuando, dentro dos seus objetivos, desde 2006 tendo em seu quadro profissionais capacitados e especializados. Através do seu serviço de atendimento virtual do Tecle Mulher -www.teclemulher.com.br- faz parte da REDE Nacional de Atendimento do número 180 da Secretaria Nacional de Políticas para as Mulheres desde o ano de 2010.
A violência contra a mulher é uma questão muito séria e que vem atingindo todas as sociedades de forma dramática. Nenhum município do país está imune a esse cancro social e os dados atuais revelam que a cada hora e meia uma brasileira é morta por quem mantém uma relação de afeto. Os dados dos municípios do interior do RJ são alarmantes e não menores que os das populações das grandes cidades. Com a finalidade da comprovação desta afirmação, realizamos uma pesquisa especÍfica, dentro de dados oficiais relacionados ao ano de 2017, que apresentamos a seguir:
A pesquisa aqui apresentada foi realizada pela Organização da Sociedade Civil Tecle Mulher e a Assessoria e Pesquisa no mbito dos Direitos da Mulher e visa oferecer parâmetros reais para a visibilidade da violência contra a mulher que acontece nas cidades da região serrana do Estado do Rio de Janeiro. Desta forma, viabilizar que as políticas públicas já implantadas sejam mantidas de forma a cumprirem suas funções e objetivos e que outras sejam implementadas o mais breve possível, garantindo as vidas e dignidade das mulheres serranas.
Os dados foram retirados do Dossiê Mulher 2018 do Instituto de Segurança Pública do RJ e ISP RJ (*), os quais se referem às denúncias realizadas nas Delegacias do Estado do Rio de Janeiro.
Relacionando as denúncias as Áreas Integradas de Segurança Pública – AISP 11 (Nova Friburgo, Duas Barras, Cantagalo, Cordeiro, Macuco, Santa Maria Madalena, Trajano de Morais e Bom Jardim); AISP 26 (Teresópolis, Vale do Rio Preto, Sumidouro e Carmo) e AISP 30 (Petrópolis, Itaipava, Pedro do Rio, Posse e Paciência) formaram um total de 4.060 denúncias nessas regiões também entendidas como Região Serrana.
O Município de Nova Friburgo, com um total de 182.082 habitantes (cento e oitenta e dois mil e oitenta e dois habitantes) – IBGE 2017- apresentou um total de 1. 650 (um mil e seiscentas e cinquenta) denúncias; O Município de Teresópolis com uma população de 191.817 apresentou 1.582 (um mil e quinhentas e oitenta e duas) denúncias e o Município de Petrópolis com 295.917 habitantes foram apresentadas 1.568 ( um mil e quinhentas e sessenta e oito denúncias. É necessário ressaltar que, segundo pesquisas realizadas pela Organização Mundial da Saúde (OMS), apenas 30% das ocorrências são denunciadas .
O Município do Rio de Janeiro, capital do Estado do Rio, com uma população de 6.520 266 (seis milhões e quinhentos e vinte mil e seiscentos e sessenta e seis habitantes) IBGE 2017 – apresenta, no mesmo período, um total de 42.970 denúncias.
Dentro deste perfil, determinamos o parâmetro de 100.000 habitantes para quantificar a proporcionalidade entre as ocorrências denunciadas nos Municípios de Nova Friburgo, Teresópolis e Petrópolis e o Rio de Janeiro, considerada uma das cidades mais violentas do país.
Como conclusão, apresentamos os seguintes dados relacionados À pesquisa:
Município de Nova Friburgo: 906,185 denúncias para 100.000 habitantes
Município de Teresópolis: 824,74 denúncias para 100.000 habitantes
Município de Petrópolis: 529,848 denúncias para 100.000 habitantes
Município do Rio de Janeiro: 659,022 denúncias para 100.000 habitantes
Notamos então que as regiões de Nova Friburgo e Teresópolis estão com os índices oficiais de violência relacionados às mulheres maiores que os da capital do Estado do Rio de Janeiro.
Avaliamos que essas indicações possam referendar ao acesso das mulheres As políticas especializadas (Delegacia da Mulher- DEAM, Centros de Referência da Mulher, Juizados Especiais de Violência Doméstica e Familiar contra a Mulher) para garantir a aplicação da Lei Maria da Penha como meio de proteção Às mulheres que necessitam ajuda. Vale informar que ainda não existe na região uma Casa de Acolhimento Provisório para mulheres em situação de risco de morte.
É necessário que todos os equipamentos especializados estejam atuando em REDE com os demais serviços públicos nas Áreas: Social (CRAS e CREAS); da Saúde para que seja um atendimento fundamentado nas normas técnicas da OMS e MS; na Educação, como determina a Lei Maria da Penha; na Comunicação para ampla divulgação das políticas públicas existentes e demais organizações que visem a garantia dos direitos da mulher, como o Tecle Mulher.
(*) http:// www.isp.gov.br
Tecle Mulher – Assessoria e Pesquisa no mbito dos Direitos da Mulher – O Tecle Mulher É A Assessoria e Pesquisa no mbito dos Direitos da Mulher é uma Organização da Sociedade Civil de Interesse Público- OSCIP com CNPJ devidamente regularizado e sediada em Nova Friburgo RJ. A instituição tem por missão promover globalmente os Direitos Humanos de forma ampla, com ênfase nos Direitos e Cidadania das Meninas e Mulheres Brasileiras em todas as suas diversidades e vem atuando, dentro dos seus objetivos, desde 2006 tendo em seu quadro profissionais capacitados e especializados. Através do seu serviço de atendimento virtual do Tecle Mulher -www.teclemulher.com.br- faz parte da REDE Nacional de Atendimento do número 180 da Secretaria Nacional de Políticas para as Mulheres desde o ano de 2010.
Continue a leitura.Compromisso e Atitude Lei Maria da Penha
O Brasil está entre os países com maior índice de homicídios de mulheres no mundo – quadro que reforça a urgência de respostas eficazes do Estado e da sociedade para prevenir e punir a violência de gênero. Na América Latina, instituições internacionais traçam recomendações para enfrentar o alto índice de assassinatos de mulheres, enquanto 11 países latino-americanos já criaram leis específicas para coibir o feminicídio.
Feminicídio é o assassinato de uma mulher pela condição de ser mulher. Suas motivações mais comuns são o ódio, o desprezo ou o sentimento de perda da propriedade sobre as mulheres, em uma sociedade marcada pela desigualdade de gênero, como a brasileira. Com uma taxa de 4,4 assassinatos em 100 mil mulheres, o Brasil está entre os países com maior índice de homicídios femininos: ocupa a sétima posição em um ranking de 84 nações, segundo dados do Mapa da Violência 2012 (Cebela/Flacso). “Mais de 43 mil mulheres foram assassinadas no País na última década, uma realidade vergonhosa que torna a tipificação penal do feminicídio uma demanda explícita e urgente, cuja real aplicação tem no Judiciário elemento indispensável”, comenta Flávio Crocce Caetano, secretário de Reforma do Judiciário do Ministério da Justiça.
No País, o cenário que mais preocupa representantes do Estado engajados em impedir a mais extrema das violências de gênero é o do feminicídio íntimo, aquele cometido em contexto de violência doméstica. Além desse, outras duas circunstâncias que caracterizam este crime são a prática de violência sexual ou a tortura e mutilação da vítima antes ou depois do assassinato – segundo Projeto de Lei do Senado que pode criar uma tipificação penal específica para esse crime (PLS 292/2013).
De acordo com o Mapa da Violência, altas taxas de feminicídio costumam ser acompanhadas de elevados níveis de tolerância à violência contra as mulheres e, em alguns casos, são exatamente o resultado dessa negligência. Os mecanismos pelos quais essa tolerância é exercida podem ser variados, mas um prepondera: a culpabilização da vítima como justificativa dessa forma extrema de violência.
“Basicamente, o mecanismo de autojustificação de várias instituições, principalmente aquelas que deveriam zelar pela segurança e pela proteção da mulher, coloca a vítima como culpada. A mulher é responsabilizada pela violência que sofre. Este tipo de postura institucional de tolerância à violência e impunidade não só permite como incentiva o feminicídio”, avalia o sociólogo Julio Jacobo Waiselfisz, responsável pelo Mapa da Violência.
Esse quadro coloca desafios para o poder público, que busca formas de avançar na efetivação da Lei Maria da Penha e ainda debate novos caminhos para complementar a legislação e coibir de maneira efetiva o assassinato de mulheres.
A preocupação no Brasil está em sintonia com a crescente dedicação de organizações internacionais a este tema: órgãos da ONU discutem a criação de protocolos para investigar e enfrentar o problema, enquanto 11 países latino-americanos já criaram leis específicas para coibir o feminicídio.
Dados revelam a gravidade do feminicídio íntimo
Por falta de um tipo penal específico ou de protocolos que obriguem a designação do assassinato de uma mulher em razão do gênero em grande parte da rede de Saúde ou Segurança Pública, o feminicídio ainda conta com poucas estatísticas que apontem sua real dimensão no País.
O Mapa da Violência 2012 é uma referência sobre o tema e revelou que, entre 1980 e 2010, mais de 92 mil mulheres foram assassinadas, sendo 43,7 mil só na última década – ou seja, em média, a cada 2 horas uma brasileira foi morta por condições violentas.
Além de grave, o número aumentou. Comparando-se o número de mortes no primeiro ano (1980) e no último (2010) do período estudado, os homicídios passaram de 1.353 para 4.465 – um aumento de assustadores 230%.
O Mapa da Violência mostrou ainda que é no ambiente doméstico que mais ocorrem as agressões contra as mulheres. No estudo, em 71,8% dos atendimentos registrados a violência aconteceu na residência da vítima e 41% das mortes femininas ocorreram dentro de casa. Em 42,5% dos casos, o agressor é o parceiro ou ex-parceiro da mulher. Na faixa entre os 20 e os 49 anos, esse percentual salta para 65%.
“São grupos familiares que, repetidamente, à revelia, violentam as mulheres e seguem como se nada tivesse acontecido”, frisa Jacobo. “Esse é um problema que tem que ser enfrentado, pois se trata de um grupo vulnerável, que legalmente deve ter proteção prioritária e está sendo oprimido”, complementa.
Uma certeza entre especialistas é que esses dados mostram que a violência doméstica é a maior motivadora dos feminicídios no Brasil. Para a juíza Adriana Ramos de Mello, do Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro (TJRJ), “este é um problema muito sério. O Brasil está em 7º lugar no Mapa da Violência e grande parte desses assassinatos ocorre no âmbito doméstico e é fruto de uma sociedade patriarcal marcada pela desigualdade de poder nas relações”.
Diferentemente de outros países da América Latina nos quais o homicídio associado à violência sexual é o mais preocupante, no Brasil o homicídio por alguém que manteve ou mantém uma relação de afeto com a vítima é o mais alarmante. Em geral, o feminicídio é precedido por outras formas de violência e, portanto, poderia ser evitado.
“O feminicídio íntimo é um contínuo de violência. Antes de ser assassinada a mulher já passou por todo o ciclo de violência, na maior parte das vezes, e já vinha sofrendo muito tempo antes. A maioria dos crimes ocorre quando a mulher quer deixar o relacionamento e o homem não aceita a sua não subserviência”, explica a magistrada do Rio de Janeiro.
População avalia que risco de feminicídio é real
Recente pesquisa de opinião revela que a percepção da população brasileira é de que a vida da mulher de fato está em grande risco quando ela sofre violência doméstica. Segundo o levantamento Percepção da Sociedade sobre Violência e Assassinatos de Mulheres (Data Popular/Instituto Patrícia Galvão), lançada em agosto, 85% dos entrevistados acham que as mulheres que denunciam seus parceiros ou ex quando agredidas correm mais risco de serem assassinadas.
O silêncio, porém, também não é apontado como um caminho seguro: para 92%, quando as agressões contra a esposa/companheira ocorrem com frequência, podem terminar em assassinato. Ou seja, o risco de morte por violência doméstica é iminente e sabido.
Para a socióloga Fátima Pacheco Jordão, especialista em pesquisas de opinião, estudos mostram a seriedade do problema. “De um lado as estatísticas do Brasil em relação ao resto da América Latina são terríveis, os números em si do Mapa da Violência já mostram a gravidade. O segundo ponto é que a pesquisa sobre assassinatos revela a percepção de naturalidade da população, mostrando que, para a maioria, o fim violento por homicídio é passível de acontecer correntemente”, explica.
Segundo a especialista, o contexto de violência doméstica agrava ainda mais o quadro. “Se pensarmos a questão do valor da residência, do abrigo privado, da condição familiar como o espaço mais perigoso para as mulheres, o problema ultrapassa qualquer limite de aceitação. Ou seja, vai além de um grau de civilização, está no plano da barbárie, no qual o espaço privado esconde execuções e torturas”, destaca.
Equipamentos para cumprir a lei
Entre as propostas para evitar essas ‘mortes anunciadas’, algumas são mais recorrentes na avaliação dos especialistas: o engajamento das instituições públicas para efetivar plenamente a Lei Maria da Penha é um caminho, tanto no sentido de proteção à vida das mulheres, no curto prazo, quanto para coibir o problema, por meio das ações de prevenção à violência de gênero no longo prazo.
“São necessárias também políticas de prevenção e reeducação, porque a Lei sozinha não extingue o crime. Nesse sentido, a responsabilidade do Estado, e também da sociedade, é trabalhar na implementação dos serviços que a Lei Maria da Penha propõe, como políticas de educação, uma rede intersetorial de atendimento em Saúde, Assistência Social, Segurança Pública e Justiça. Precisamos que sejam implementadas em todo o País as Defensorias das Mulheres, as Varas de Enfrentamento à Violência Intrafamiliar e contra as Mulheres, casas abrigo e serviços de atenção psicossocial”, afirma a médica Ana Flávia d’Oliveira, pesquisadora da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo.
Para a juíza do TJRJ, Adriana Mello, é preciso discutir mais a questão da violência contra as mulheres no campo da educação e também com profissionais que atuam na atenção às vítimas, especialmente nos equipamentos de Saúde e Segurança Pública e no Sistema de Justiça.
Além dos desafios para a efetivação da Lei Maria da Penha, outras ações são discutidas para complementar o enfrentamento ao feminicídio. Entre elas, está a proposta de criação de um tipo penal específico para este crime, que auxilie a produzir dados para embasar políticas públicas. Também a adoção de protocolos para investigação do feminicídio, que por um lado auxiliariam na produção desses dados, e por outro garantiriam maior eficácia na coleta de provas e perícia para dar materialidade a este tipo de crime.
“Como boa parte desses homicídios é íntimo, a cena do crime pode ser desfeita, as provas e testemunhas podem ser mais difíceis também. Isso pode prejudicar a investigação e, consequentemente, o processo penal. Então, a instauração de protocolos de investigação para a Polícia, Ministério Público e Magistratura é recomendada”, explica a juíza.
Recomendações de organismos internacionais
A preocupação com os homicídios de mulheres no Brasil está em sintonia com a crescente dedicação de organizações internacionais ao tema. O Alto Comissariado das Nações Unidas para os Direitos Humanos e a ONU Mulheres, por exemplo, estão finalizando a elaboração do protocolo latino-americano de investigação de mortes de mulheres por razões de gênero. Paralelamente e de modo complementar a esta iniciativa, foi elaborado um Guia de Recomendações para a Investigação Eficaz do Feminicídio, em cooperação com especialistas latino-americanos que analisaram os erros mais frequentes cometidos nas investigações e processos nos casos de feminicídio e traçaram recomendações para superar tais problemas. O Conselho de Direitos Humanos das Nações Unidas também iniciou um processo interno para criação de uma declaração ou protocolo universal sobre o feminicídio. A ideia é apresentar uma petição para discutir o tema na Assembleia Geral da ONU no próximo ano.
Para a ministra da Secretaria de Políticas para as Mulheres da Presidência, Eleonora Menicucci, as iniciativas respondem ao desafio de se enfrentar o crime do feminicídio a partir de um dos consensos que cerca esse tema: o de que as investigações do crime têm caráter especializado e que, muitas vezes, por falta de uma real perspectiva de gênero, não se coletam as evidências necessárias, fomentando assim a impunidade crônica que estimula a sua recorrência.
Tanto o Guia como o protocolo deverão ser usados em processos de capacitação nos países latino-americanos, para que as recomendações indicadas sejam de fato colocadas em prática, segundo informou um dos autores do Guia, o advogado espanhol, doutor em Direito e mestre em Direitos Humanos, Emilio Gines Santidrián, em passagem pelo Brasil.
Segundo o jurista, a publicação é um avanço na América Latina e se soma às legislações e sentenças que visam a penalização de feminicidas em diversos países da região. El Salvador, Guatemala, Colômbia, Nicarágua e Bolívia já criaram leis especiais de prevenção, atenção e sanção da violência contra as mulheres que abordam o feminicídio. Já Costa Rica, Chile, Peru, Argentina, Honduras e México reformaram as leis penais nacionais existentes nesse sentido. (Confira aqui o quadro sobre as legislações da América Latina)
“Já tivemos decisões importantes nas cortes da Guatemala, El Salvador e Peru, que ajudam a dar visibilidade para esse tipo de crime. Essas sentenças favoráveis indicam que está havendo uma mudança de consciência do Judiciário, que não está mais encarando esses casos com preconceito”, aponta Santidrián, também membro do Subcomitê para Prevenção da Tortura e outros Tratamentos ou Penas Cruéis, Desumanas e Degradantes das Nações Unidas.
Reconhecimento global
A sensibilização em torno do tema também marcou a 57ª Sessão da Comissão sobre a Situação da Mulher (CSW) da ONU, realizada em Nova York, em março deste ano, com a presença de representantes dos 45 países membros. No encontro, houve o reconhecimento internacional do crime de assassinato de mulheres relacionado à sua condição de gênero. A 57ª CSW recomendou ainda o fortalecimento de legislações para punir o grave fenômeno.
A mesma recomendação é feita pelo Comitê sobre a Eliminação da Discriminação contra a Mulher da ONU (CEDAW). “O Comitê entende que é importante essa explicitação e se manifesta aos países com a recomendação de que realizem tipificações como essa, que são positivas por dar visibilidade ao feminicídio”, afirma a advogada e presidente do CEDAW, a brasileira Silvia Pimentel, que também integra o Comitê Latino-Americano e do Caribe para a Defesa dos Direitos da Mulher (Cladem).
Sensibilização é o primeiro passo
Para a especialista da ONU, a maior sensibilização dos órgãos internacionais – manifesta inclusive por recomendações do CEDAW chamando atenção para o feminicídio nas análises feitas a partir de relatórios periódicos enviados pelos países sobre a situação da violência contra as mulheres – é um exemplo dos avanços obtidos no cenário internacional. “Até pouco tempo, o feminicídio não era verbalizado, destacado ou criminalizado. Simplesmente, era uma questão que não aparecia nesses trabalhos”, destaca.
A mesma visão é compartilhada pela representante da ONU Mulheres no Brasil, Nadine Gasman. “Cada vez mais os países estão ratificando o feminicídio como delito específico. Isso foi feito de diferentes maneiras, mas o que é importante para nós é que o Sistema de Justiça está abordando o tema de uma forma específica, o que há alguns anos não se fazia. Podemos pensar que, com melhores sistemas de informação e com mais tempo – porque são legislações muito recentes, a tendência será diminuir a violência contra as mulheres”, acredita a representante da ONU Mulheres.
Caso emblemático: os feminicídios em Ciudad Juárez (México) Claudia Ivette Gonzalez, Esmeralda Herrera Monreal e Laura Berenice Ramos Monárrez tiveram seus corpos violados, mutilados e abandonados em um campo de algodão de Ciudad Juárez, no estado mexicano de Chihuahua, em 6 de novembro de 2001. Ao invés de apoio na investigação dos casos, os familiares das vítimas sofreram intimidação e maus-tratos por parte das autoridades locais.Pela falta de medidas de proteção às vítimas; falta de prevenção dos crimes diante do conhecimento de um padrão de violência de gênero que já havia contribuído para o assassinato de centenas de mulheres e meninas na região; falta de resposta das autoridades diante dos desaparecimentos e de diligência na investigação dos casos, assim como a negação de Justiça e reparação adequada, o Estado mexicano foi condenado pela Corte Interamericana de Direitos Humanos, em novembro de 2009, por violar os direitos de acesso à Justiça e de proteção consagrados pela Convenção Americana.
A cidade também foi foco de uma investigação in loco do Comitê sobre a Eliminação da Discriminação contra a Mulher da ONU (CEDAW), em 2003. O resultado veio em 2005 com a divulgação de um Informe sobre o México contendo conclusões e recomendações ao Estado na mesma linha condenatória que posteriormente seria adotada pela Corte.“A morte das mulheres de Ciudad Juárez reflete a morte de todas as outras. Por isso, a decisão da Corte Interamericana tem efeito para toda a América Latina”, ressalta Emilio Gines Santidrián.
A condenação suscitou o debate sobre feminicídio e diversas conferências para discutir atos sistemáticos de violência claramente premeditados contra mulheres. Apesar dos avanços, o especialista espanhol alerta que o desafio de acabar com as mortes de mulheres ainda permanece, uma vez que muitas continuam sendo assassinadas, tanto pela omissão dos governos como pela ação dos chefes de cartéis.
Desse modo, o enfrentamento do problema exige uma ação integrada, uma vez que o feminicídio é um crime de gênero extremamente complexo. “O problema do feminicídio tem muitas faces. Não é apenas uma questão de ordem penal, mas também social e cultural. É necessário criar formas de enfrentar a cultura machista e a visão dos papéis destinados à mulher na sociedade”, alerta Santidrián.
Fonte: Compromisso e Atitude Lei Maria da Penha
Comunicação Social
Secretaria de Políticas para as Mulheres – SPM
Presidência da República – PR
Continue a leitura.De Candida Del Tedesco e Fernanda Cirenza – brasileiros.com.br
A afirmação é de Maria Lygia Quartim de Moraes. Socióloga, doutora em Ciências Políticas e feminista, ela, ao lado de outras mulheres, com muita teoria e atitude, ajudou a construir o atual questionamento da sociedade. Para Maria Lygia, os recentes movimentos no País são espontâneos e por isso mobilizadores
Por Cândida Del Tedesco e Fernanda Cirenza
Na Revista Brasileiros
Maria Lygia Quartim de Moraes teve a sorte de nascer em uma família que tratava bem as mulheres. Filha do meio, entre dois meninos, de uma dedicada dona de casa e de um pai bacharel em Direito, que fez um pouco de tudo – foi gerente de banco, vendedor, diretor financeiro –, o casal tinha como verdadeiro negócio a cultura. Aluna rebelde do tradicional e conservador Sacre Coeur de Marie, Maria Lygia encontrou em O Segundo Sexo, obra de Simone de Beauvoir, a “munição” perfeita para, mais tarde, se tornar o que é: socióloga formada pela USP, com cursos de pós-graduação na França e no Chile, além de doutora em Ciências Políticas, também pela USP, e professora titular da Unicamp.
Viúva do economista Norberto Nehring, que militou na Aliança Libertadora Nacional, grupo de resistência armada à ditadura, liderado por Carlos Marighella, Maria Lygia viveu em Cuba com o marido e a filha, então com 5 anos. Era 1969. No ano seguinte, Norberto foi assassinado pelas forças da repressão. Antes e depois do dramático episódio, Maria Lygia viveu na França, no Chile e de novo na França. Foi lá que estreitou seu relacionamento sério com o feminismo. “Era um movimento forte de mulheres ligado aos movimentos sociais, totalmente de esquerda.”
Enquanto a ditadura no País liquidava os oponentes, o movimento feminista no Brasil começava a surgir comprometido com a luta pelas liberdades democráticas. Maria Lygia estava lá. Em 1975, ano que marca a década da mulher da ONU, em uma confluência protagonizada por Paulo Evaristo Arns, “homem de uma coragem incrível”, a imprensa alternativa e os trabalhos de base, feministas brasileiras, Maria Lygia incluída, começam a dar os seus recados e forçam até mudanças em leis.
Há 30 anos casada com o advogado Rubens Naves, ela conta, a seguir, fatos marcantes e fundamentais para a situação da mulher no Brasil, como a criação do Conselho da Condição Feminina e das delegacias de mulheres, além das conquistas consolidadas na Constituição de 1988. Com propriedade, fala também da história do feminismo, que se confunde com a sua própria, e não poupa a burocracia das ONGs.
Brasileiros – A senhora já disse que a primeira forma de dominação na história é a opressão às mulheres. Mantém esse pensamento?
Maria Lygia Quartim de Moraes – Hoje eu seria menos segura em afirmar isso. Mas de todas as hipóteses que existem a respeito das narrativas históricas, essa relação entre mulher, propriedade privada e a garantia de que os frutos da mulher serão do homem procede. As mulheres foram dominadas não porque não fossem importantes, mas porque são importantíssimas. Elas foram, inclusive, portadoras de boa parte dos avanços ligados à agricultura doméstica. Mas acho complicado falar em “situação da mulher”, em abstrato, porque ela varia de sociedade para sociedade.
Historicamente, houve alguma sociedade avançada com relação à mulher?
Os egípcios, enquanto não havia Islamismo, foram a sociedade mais avançada com relação aos direitos da mulher. Vale a pena ler os livros de Nagib Mahfuz sobre a sociedade egípcia nos milênios dos faraós. Nas civilizações asiáticas, que não conheceram o Humanismo, Iluminismo, etc., a situação social das mulheres permaneceu inferiorizada. Os gregos eram democratas, mas não com as mulheres, que não participavam das decisões políticas. Também entre os turcos as mulheres tinham um status inferior e assim por diante.
Mas as civilizações evoluíram…
A primeira religião que disse que os homens são todos iguais porque tinham alma foi o Cristianismo, o que para mim é revolucionário porque tinha essa democracia das almas, igualando homens e mulheres perante Deus. Mas até esse argumento pode ser torcido quando o interesse econômico falou mais alto: no tempo da escravidão, a Igreja chegou a afirmar que os negros não tinham alma e por isso podiam ser escravizados, diferentemente dos índios. Ou seja, não dá para falar em “evolução” ou “progresso” de modo absoluto nem generalizando. Basta um Congresso evangélico e retrógrado, por exemplo, para botar em risco direitos já adquiridos pelas mulheres, como o do aborto em caso de estupro. Minha geração lutou pela criação do Conselho da Condição Feminina (criado no Estado de São Paulo em 1983, por meio de decreto; dois anos depois, é organizado o Conselho Nacional dos Direitos da Mulher). Mas é ridículo achar que instituições dependentes dos governos possam representar os interesses das mulheres. Afinal, tudo vai depender do partido no poder. Também sou crítica com respeito ao trabalho de muitas das ONGs que lidam com a questão, pois a maior parte delas transformou-se em instituições burocráticas, muitas vezes cabides de emprego. Para as feministas dos anos 1970, o mais importante foi desconstruir o discurso sobre a inferioridade “natural” da mulher, que afirmava, por exemplo, que nós mulheres temos menor capacidade intelectual.
Mas ainda se usa esse argumento de que a mulher é mais sensível, mais fraca, mais maternal…
Tem a questão do corpo biológico, claro. Não nego que haja diferenças porque seria negar o óbvio, mas minha questão é o que se constrói em cima das diferenças. A gente diz que os africanos têm dom para a dança, mas também deve ter muito pé torto lá na África. Na verdade, eles têm uma cultura em que a música e o canto são importantes. A questão é que nem todas as mulheres se sentem confortáveis com o modelo dito feminino. E quem não está satisfeito tem o direito de reclamar. Não precisa usar o título de feminismo, diga só que defende seus direitos. Afinal, por que uma mulher estaria de acordo em ganhar menos e ser vítima de ataques sexuais? Digamos que uma grande parte das mulheres do mundo inteiro tem alguma queixa com relação às discriminações que sofrem. É como a luta de classes: enquanto alguém explorar o outro haverá uma possibilidade de revolta, de contestação. Assim, acho que toda mulher deveria ser feminista. Mas, se a palavra assusta, não a use. Mas continue lutando pela sua dignidade na relação entre homens e mulheres. Para mim, o feminismo é um projeto de novas relações entre mulheres e homens e um projeto libertador. Mas, por outro lado, e isso é importante, o feminismo é uma estratégia política, mas não um fim em si mesmo, na medida em que precisamos desconstruir a “mulher”. É o que Simone de Beauvoir faz no Segundo Sexo.
Qual a diferença entre as mulheres da sua geração e as de hoje?
Coube à minha geração esse trampo de desconstruir um discurso hegemônico. Hoje as mulheres se sentem com direitos e mais à vontade para reclamar de coisas que lhes parecem abusivas. Meninas que, apesar de nunca terem lido nenhuma teoria feminista, são capazes de dar um basta: “Chega, fim do abuso”. Esses movimentos atuais, no mínimo, expressam um pensamento de repúdio às discriminações. Mas não existe hoje uma central feminista da qual emanam diretrizes ou palavras de ordem.
Que lição a gente tira?
Que nada é permanente. Há coisas que servem em certo momento e depois não servem mais. O meu feminismo era justamente acabar com os estereótipos. Logo, é a própria ideia de mulher que eu coloco entre aspas. Por isso sou contra a luta identitária. Em certos momentos, digo que sou feminista, defendo, acho que tem discriminação sim, que as mulheres continuam sendo maltratadas, têm os piores salários, etc. Butler (a filósofa americana Judith Butler) diz que o feminismo é uma tática, não um ponto de vista. O identitarismo parte da ideia de que há uma essência da mulher, e não acho que exista uma essência de mulher nem de homem. Quando Simone fala do processo que nos torna mulheres ou homens, já se coloca o problema da “desconstrução”. Se a inadequação com o gênero é o resultado dos limites rígidos dos papéis sociais que constituem o gênero, sobra pouco espaço para os meninos sensíveis e românticos e para as meninas empreendedoras e transgressoras.
Qual a luta atual?
Hoje não se usa a cor dos olhos como referência na carteira de identidade. Vamos lutar para que chegue o momento em que ser gay, isso ou aquilo não terá a menor importância. Um dos traços marcantes da obra e do discurso de Butler é sua fluidez, sua capacidade de lidar com ambiguidades e evitar o dualismo do sim ou não. Nesse sentido, existe uma enorme coerência em toda sua trajetória intelectual: evitar quaisquer tipos de normas e regras que criem ou possibilitem o “abjeto”; o que não importa, os corpos inumanizados, para usar uma expressão da filósofa italiana Andrea Cavarero. Sua militância é libertária, mas não identitária. O feminismo de modo geral é uma luta contra as imensuráveis discriminações sofridas pelas mulheres. Ao mesmo tempo, parte do feminismo é contra os identitarismos que implicam essências. Mas quem vai mais longe nessa reflexão anti-identitária é a Beatriz Preciado (filósofa espanhola), autora do Manifesto Contrassexual, que acho genial por ser uma provocação que nos ajuda a questionar o binarismo sexual. No fundo, trata-se de repensar o contrato social, que não pode ter como base a diferença entre homem e mulher. Esse binarismo que atravessa o social pode e deve ser superado.
E a ideia de desconstrução da mulher?
Descobri que não começa com Simone de Beauvoir, mas com Erasmo de Roterdã, que foi um humanista. E qual é a grande premissa do Humanismo? Que o homem é a medida das coisas. Ele diz que ninguém nasce homem, o homem se constrói, é responsável pelo que faz, ideia que vai dar no Existencialismo. E a Simone usou isso para a mulher.
E o conceito da desconstrução?
Beauvoir não fala exatamente em desconstrução, diz que ninguém nasce mulher, torna-se mulher. Assim, a primeira questão diz respeito exatamente ao processo de construção do ser mulher. A corrente teórica que se inicia com Beauvoir é conhecida como construtivista. Quem vai falar em desconstrução é a nova geração de feministas, a partir das reflexões de filósofos como Jacques Derrida, Deleuze e Foucault. Butler, por exemplo, coloca em questão a própria matriz heterossexual. Não que seja contra a heterossexualidade, mas é contra a que cria uma divisão entre corpos abjetos e desprezíveis, e aqueles que estão enquadrados como certinhos. Na verdade, para Butler, a questão dos corpos não reconhecíveis como merecedores de respeito marca toda sua obra, desde seu primeiro livro, Gender Trouble, nascido de sua indignação com a discriminação e descaso de que foi vítima a primeira geração contaminada pelo HIV. A partir daí, Butler, corajosamente, tomou a defesa dos palestinos (o que lhe valeu a condenação do lobby sionista) e, mais atualmente, dos precarizados, dos exilados e de todos aqueles que sofrem perseguições políticas.
O capitalismo não permite a diversidade?
Não acho que o capitalismo seja contra o feminismo, desde que este não seja anticapitalista. A questão das discriminações de gênero ou cor não é fundamental para o capitalismo. Ao contrário. Há uma florescente indústria dirigida aos gays e às mulheres.
A senhora fala sobre tomada de consciência e agora, com as manifestações de mulheres, gentilezas masculinas, como pagar conta, podem ser interpretadas como opressão?
O meu critério é assim: quem tem mais dinheiro paga, só que, em geral, quem tem mais são os homens. Quando saio com amigas mais duras, eu pago. Não saber receber algo é complicado. As pessoas precisam ter a generosidade de dar e de receber. Uma coisa é educação e gentileza, outra, bem diferente, é o machismo.
O bom senso ficou em segundo plano?
Nas Ciências Sociais, da USP, ouvi queixas de meninos sobre bullying de mulheres. Não duvido que as meninas possam fazer bullying. Estudei 12 anos em um colégio de mulheres e sempre houve as vítimas das piadas e perseguições. Vejo o mesmo nas escolas atuais. Quantas meninas não sofrem de anorexia por terem sido chamadas de gordas ? Com relação ao bom senso, penso que a Beatriz (Preciato) defende um ponto de vista de que precisamos de uma moral sexual mais abrangente do que essa que nos sufoca. Precisamos de uma legislação que garanta, por exemplo, a interrupção da gravidez não desejada, é essa a questão. Há um seriado na Netflix que se chama Modern Family, o engraçado é que a família moderna é a coisa mais antiga que existe! O casal homossexual é um grande estereótipo, com um dos parceiros fazendo o papel feminino e outro o masculino e querendo brincar de papai e mamãe. Tenho saudades daquela tropa de gays dos anos 1970, que fazia oposição à ditadura militar, tinha o jornal Lampião… Pois o problema não é criar de novo a família, é romper com a família burguesa tradicional, ir para a frente, procurar formas novas. Sei que não é fácil, mas tem uma coisa muito conservadora e reafirmadora do binarismo masculino versus feminino.
Há quem defenda que as gentilezas masculinas são feitas para manter as coisas como são.
Butler diz que ninguém muda de identidade como se muda de roupa. Quando ela fala da performatividade de gênero não quer dizer que trocamos de identidades, como no teatro. Para ela, é muito difícil escapar do gênero. Se eu não tivesse sido educada pela minha mãe, que era uma ótima dona de casa e nos proporcionava o bem-estar da comida bem-feita, das frutas e flores, muito provavelmente eu teria uma outra relação com o mundo doméstico. Acho interessante em Simone de Beauvoir o fato de que ela analisa os mitos da feminilidade e mostra que, se isso fosse universal, deveria aparecer igual sempre. Mas não, em cada autor estudado por Simone a imagem que aparece é diferente, variando do feminino como pureza ao feminino como degradação. Em algumas sociedades, a mulher é o perigo, a traidora, a traiçoeira, a sensualidade bruta porque é a natureza, e não a cultura. Ela mostra que até na construção do eterno feminino não há um discurso único. O Segundo Sexo é um trabalho incrível. Foi a primeira obra em que me apoiei. Eu morei numa casa em que as mulheres eram queridas, isso facilita. Mas a Beauvoir me deu munição para enfrentar esse discurso.
Qual é a realidade de hoje no Brasil?
O feminismo dos anos 1970 teve de construir um discurso contra os preconceitos vigentes. Houve o boom dos estudos sobre a mulher que depois passaram a ser estudos de gênero. Tive o prazer de participar da criação do Neim, núcleo de estudos interdisciplinares sobre a mulher, na Universidade Federal da Bahia, em 1983. Dez anos depois, foi criado o Pagu -Núcleo de Estudos de Gênero da Unicamp. Todos esses núcleos continuam ativos. Mas o momento atual é principalmente o que eu chamaria de “feminismo espontâneo”. As brasileiras acham que têm direitos, que ninguém merece ser estuprada porque está de shortinho. Mas, para enfrentar esse tipo de coisa, é preciso dizer: mesmo que eu seja assediada, vou usar esse short porque posso. De fato, o espaço público tem sido conquistado pelas mulheres aos poucos.
A senhora acha que hoje existe um movimento de mulheres no País?
Dito com esse nome ou não, as mulheres estão mais ativas do que nunca. E sempre que falo dos feminismos gosto de lembrar que, se as palavras movem, os exemplos arrastam. Minha geração foi arrebatada pelo exemplo de Leila Diniz (1945-1972). Apesar da ditadura militar, seu modo de vida e sua liberdade foram um exemplo para nós, assim como suas escolhas amorosas: a gravidez fora do casamento (e o consequente rompimento com o estigma da mãe solteira) e a fotografia grávida de biquíni, numa exaltação erótica do corpo da mulher grávida, em direta oposição à caretice da época. Hoje, existe uma nova geração de jovens brasileiras utilizando blogs e fanzines, organizando grupos de protesto pontuais, como esse da resistência ao assédio no metrô ou o movimento contra as tentativas reacionárias do Congresso em relação aos direitos das mulheres e dos homossexuais.
Então, está mais fácil para as mulheres?
Gostaria de pensar que as minhas netas têm menos restrições nas suas escolhas, mas não há como negar que vivemos uma realidade cada vez mais complexa e difícil. O trabalho é a questão mais problemática. De um lado, a precarização do emprego formal fez crescer o número de trabalhadores autônomos. Com a crise, vieram as demissões. Mas isso vale para homens e mulheres. A questão é que elas ainda ganham cerca de 30% menos do que os homens. E isso é doido porque, de um lado, existe uma sociedade que obriga as pessoas a trabalharem até mais tarde, e por outro tem menos emprego. Como fica? Não tenho nenhuma receita pronta, mas sei que a tendência inexorável do capitalismo é a concentração de riquezas, o incremento da tecnologia e o desemprego.
O Brasil produziu um movimento feminista?
Durante a ditadura, todos os movimentos sociais ficaram proibidos. A Igreja Católica teve um papel importante na retomada das organizações populares, criando um espaço para a militância nas comunidades de base, especialmente com grupos de mulheres da periferia, que estavam às voltas com problemas de carestia, falta de creche, etc. Havia nisso um feminismo incipiente? Acredito que sim. Mas foi muito importante o fato de muitas de nós, nos anos 1970, termos saído do País e absorvido o feminismo francês e italiano, que é o feminismo de esquerda.
Mas foi um movimento de massa?
É difícil falar do feminismo como movimento de massa no Brasil porque nosso nível de cidadania era e continua sendo baixíssimo, apesar de todos os progressos alcançados durante a redemocratização. O Brasil entrou no século 20 com os resquícios da escravidão. Na Primeira República só votavam os homem alfabetizados e com renda, só existia um partido, o republicano. Até 1930, só o Rio Grande do Sul contava com dois partidos. Até 1985 o Brasil conheceu poucos anos da chamada normalidade republicana. Minha geração, a do pós-Segunda Guerra Mundial, teve a sorte de crescer entre 1945- 64. Vale dizer, para nós o regime presidencialista era uma realidade e nossa luta era por um governo popular que fizesse as reformas sociais de que o País precisava. De qualquer forma, houve pouco tempo para criarmos movimentos sociais fortes. Na primeira fase da ditadura, de 1964 até final de 1968, ainda foi possível manter a força e o protagonismo do movimento estudantil, especialmente dos jovens universitários. Acho que as revoltas de 1968 comprovam a importância da juventude como protagonista político, no mundo inteiro. Não procede a afirmação de que 1968 tenha começado na França e sido copiado aqui. Ao mesmo tempo que acontecia o maio francês, em São Paulo os estudantes estavam derrubando o palanque do governador nomeado pelos militares, Abreu Sodré. Ou seja, no Brasil pós-golpe, a questão principal era derrubar a ditadura e as mulheres entraram de cabeça na luta política e também na luta armada. Algumas foram para a clandestinidade, outras presas, torturadas e mortas, outras foram exiladas… Em 1975 as coisas começam a mudar: a ONU proclamou o Ano Internacional da Mulher. Foi aí que se organizaram os primeiros encontros de mulheres, com o apoio decisivo de Dom Paulo Evaristo Arns – aliás, um homem de uma coragem incrível. Meu ativismo feminista começou nos anos de exílio na França, alimentado pela importância do feminismo francês. Em 1973 escrevi um texto sobre a questão feminina, que circulou clandestinamente no Brasil e que foi publicado em 1976 na prestigiosa revista Estudos Cebrap. A imprensa alternativa foi para mim um espaço fabuloso, que me ensinou a escrever sob censura e me pôs em contato com o melhor da oposição intelectual do momento. Era possível fazer uma agitação em torno do tema mulher. Os jornais feministas não eram censurados porque a ditadura não levava a questão feminina a sério. Eu fui uma das participantes do Nós Mulheres. Vira e mexe, matérias que eram censuradas no Movimento, acabavam sendo publicadas no Nós Mulheres. A censura prévia da ditadura achava que aquilo era coisa de mulher, logo sem perigo…
A imprensa oficial feminina também era forte, não?
Boa parte das militantes feministas trabalhava na Editora Abril. As revistas Claudia, Nova tiveram sua importância, especialmente a Claudia, quando Carmen da Silva era colunista. Mas isso foi nos anos 1960. Em meados dos anos 70, a imprensa alternativa propunha uma visão muito mais realista da situação da mulher, ao colocar em cena as trabalhadoras. Em 1976, Raimundo Pereira teve a ideia de fazer uma matéria sobre o Primeiro de Maio, pegando apenas o trabalho da mulher. O número ficou incrível, com matérias fortes sobre as condições de trabalho das mulheres nos canaviais, nas fábricas e nos serviços. Uma denúncia das condições de exploração da força de trabalho feminina. Mas a matéria foi integralmente censurada.
Daí, o que aconteceu?
Nós éramos convidados pelos estudantes, eu viajei o Brasil inteiro para falar das matérias censuradas. Foi quando o feminismo começou a se espalhar também. Eram intelectuais, militantes, mas tinha um País inteiro. Um dos movimentos continua até hoje, o SOS Mulher, que tem um trabalho importante no Recife. Havia também um movimento feminista expressivo no Rio de Janeiro e em Salvador.
Era um feminismo mais político?
A minha tese é essa. O feminismo brasileiro foi e continua sendo um feminismo político. Nos Estados Unidos, existe um movimento forte de mulheres de direita, mas não sei se elas se consideram feministas. Tem mais, quando as pessoas comparam o Brasil com os EUA, digo: a gente precisa comparar o País com a França, que tem a ideia da República, em que o Estado é visto como agente importante para a melhoria das coisas. Nos EUA, o Estado é opressor, as pessoas veem com desconfiança tudo o que vem dele e desprezam quem precisa do Estado porque é o “looser”. 70% da população americana acredita em Deus. 70% dos franceses não acreditam em Deus. Então, nos EUA o feminismo cresceu na base dos direitos civis. E na França, na base dos direitos civis e sociais.
Fala-se em segunda onda do feminismo. O que acha?
Essa coisa de segunda onda é totalmente americana. De repente surge um termo novo, imposto pela hegemonia norte-americana e nosso complexo de colonizados nos faz engolir tudo acriticamente. É mais ou menos como o terceiro setor, são categorias despolitizadas, muito a gosto do pensamento conservador. Temos o Estado, o mercado e o terceiro setor. Isso lá é divisão de sociedade? É uma babaquice. É uma divisão e cada uma dessas divisões não é inocente. O que seria o terceiro setor? Tudo o que não é Estado e mercado: sindicatos, entidades filantrópicas, tudo o que é gato pingado é terceiro setor. Tenho ojeriza, não uso terceiro setor para nada. De ONG não tem mais como fugir, porque tem a Abong, né? Quando Franco Montoro ganhou as eleições (governo de São Paulo, 1983) a gente consegue o Conselho da Condição Feminina, e as delegacias da mulher. Em suma, uma plataforma fundamental que era ter organismos específicos para a mulher.
Esses organismos atendem às demandas femininas?
Antes de existir a delegacia da mulher, aquelas que sofriam violência sexual eram obrigadas a passar por outra violência: serem atendidas numa delegacia comum, um recinto masculino. A Eleonora Menicucci, ex-ministra da Secretaria de Políticas para as Mulheres, quando ainda era professora na Universidade Federal de São Paulo, concebeu uma política especial para mulheres vítimas de estupro, com atendimento policial, psicológico e médico. O atendimento, o direito à chamada “pílula do dia seguinte”. Hoje, para ver o nível de atraso em que estamos, a bancada evangélica quer proibir a pílula do dia seguinte! Da mesma forma, nunca o aborto foi tão criminalizado! Mas as coisas são complexas. Você sabe por que temos o divórcio? Não foi o movimento feminista que conseguiu. Foi Geisel, um ditador, protestante, para afrontar a Igreja Católica em 1977.
Um ganho por um caminho absurdo?
Tem outra característica brasileira que é o jeitinho. Quando o aborto era proibido, na França, dava até guilhotina. Em 1971 houve um julgamento num caso de aborto, 300 e tantas mulheres famosas, mesmo que não tivessem abortado, assinaram um manifesto dizendo “Eu também abortei”. Catherine Deneuve, Simone de Beauvoir, todas elas. Três anos depois, saiu a lei legalizando o aborto na França. Aqui a gente tem essa coisa conservadora que não pune, mas ao mesmo tempo não dá direito. É uma questão de origem social. E as principais vítimas são as mulheres pobres que não podem se oferecer um aborto seguro.
A gente tem uma presidenta mulher…
Quero falar do desrespeito de que ela foi vítima, publicamente, na Copa. As pessoas estavam com raiva dela e fizeram um tipo de coisa que nunca se fez antes e acho que tem a ver com machismo. Que tipo humano é esse que xinga a presidente de seu país em um campeonato mundial? E ver a turma dos banqueiros, que ganham bilhões de lucros semestrais, encabeçando as vaias? E pensar que essa gente recebeu tantas benesses do governo! É uma elite econômica voraz, mal educada e machista. Agora, acho que nossa presidente falhou ao não punir seus agressores. Abriu-se aí um péssimo precedente.
O que é machismo, professora?
É o conjunto de atitudes que coloca a mulher em um lugar desqualificado. Além de outras formas de violência física. Mas vamos pegar só o machismo educado, não o violento. O educado é quando uma mulher fala e os homens dão um risinho benevolente, “deixa falar”. Ou você fala e a pessoa não presta atenção. Tive uma amiga, que trabalhava no sistema financeiro e era uma fera. Ela fez carreira no Citibank e conta que, no começo, quando ela chegava numa reunião e era a única mulher e muito mignonzinha, os caras já iam dando coisa para ela segurar (risos). E tinha tanto machismo que ela teve que se dirigir direto ao staff dos EUA, porque lá existia uma lei federal que punia a discriminação salarial por motivo de gênero. Isso é machismo.
É praticado só pelos homens?
Claro que não. Dizem até que o machismo é uma ideologia, uma forma de ser, um conjunto de pensamentos conservadores e preconceituosos. As mulheres também podem ser muito machistas. Elas ainda educam os homens como se tivessem direito a privilégios. Isso é unânime. Eu achava interessante porque minha mãe não fazia diferença entre meus irmãos e eu.
Voltando um pouco para esse protagonismo atual, como a Marcha das Vadias.
No Brasil, a Marcha das Vadias foi quase um replique de uma coisa que começou no Canadá. Não foi um movimento espontâneo no sentido de estar reagindo a um fato concreto. Na passeata “Somos Todas Prostitutas”, nos anos 1970, saímos às ruas para denunciar um delegado que abusava de prostitutas. Eduardo Suplicy lá estava, como sempre esteve ao lado do feminismo. Mas a figura mais especial do período foi a Ruth Escobar, por todo o vanguardismo de seu teatro, que foi palco de inúmeras reuniões políticas e de fóruns feministas na década de 1970. A Ruth tinha um especial talento para coreografias. Quando teve o assassinato da ngela Diniz (1976) e o subsequente julgamento de seu assassino Doca Street, fomos todas vestidas de preto com matracas. Foi uma passeata incrível. Naquele tempo, as pessoas convocavam umas às outras pelo telefone, isso é uma história e seu contexto. Outra coisa é um grupo como o Femen (grupo feminista surgido na Ucrânia). Aquelas meninas tiram a roupa com qual proposta, além de fazer uma provocação? É muito fácil criticar, mas qual é a pauta positiva?
A senhora está dizendo que antes as pautas eram objetivas?
Nós queríamos mudanças na legislação brasileira e conseguimos. Duas advogadas fizeram as emendas para a mudança do Código da Família, que foram incorporadas pela Constituição de 1988. O código dizia: na família o homem é o chefe e a mulher sua melhor auxiliar. O homem decidia tudo. Até uns 15 anos atrás, a mulher não ser virgem ainda era uma razão para anulação de casamento. Uma provocação que faço quando vou falar com gente bem mais jovem é: “Olha, vocês acham que feminismo não está com nada, mas, se não fossem as feministas, vocês ainda estariam sob o jugo dos seus maridos!”. Quando me casei era obrigado mudar o sobrenome. E quantos crimes foram cometidos com a desculpa da honra? A honra dos homens está no meio das pernas das mulheres?! Se eu namorar outro a honra do homem está abalada? Vai ao dicionário e leia a definição de mulher e homem. A palavra “mulher” serve como xingamento, vai de mulherzinha para baixo. Homem não. Todas as coisas ligadas ao feminino podem ser usadas de maneira pejorativa e isso também é machismo.
O que é tabu hoje entre as mulheres?
Acho que tem “n” feminismos, “n” mulheres, “n” questões. É algo disperso.
Qual a demanda de uma mulher como a senhora, intelectual, estabilizada economicamente, e de uma negra, pobre?
A Beatriz Preciato diz que o feminismo vitorioso é o branco, e que não incluiu as negras, as mestiças. Acho essa afirmação discutível, pois o feminismo letrado e das classes médias conquistou muitos direitos que valem para mulheres de todas as classes sociais. Mas para não virar um feminismo de fachada, a luta tem de partir das próprias negras e pobres. Só elas saberão defender seus interesses específicos, ou o que elas entenderem como tais. Não acredito nessa coisa de que alguém possa servir de “libertador”. Ou o povo assume a luta, ou…
Então as lutas são várias?
Há questões que interessam a todo mundo, homens e mulheres. Uma delas é a creche. A questão do direito das mulheres de decidir se vão ter filhos ou não é inalienável. Se quiser ter filho, ótimo. Mas a questão do binarismo homem-mulher é muito mais forte e presente do que se imagina, tanto que muitos movimentos de direitos homossexuais não encampam a questão do aborto porque não diz respeito aos gays.
O que a senhora acha das políticas públicas?
Elas são insuficientes. A única coisa que avançou é a luta contra a violência de gênero. O que não impediu que as mulheres continuem sendo as principais vítimas da violência familiar. Mas, como resultado da política de conciliação conservadora do governo e, dado o peso das bancadas evangélicas, vivemos um momento de retrocessos.
E a lei Maria da Penha?
Digamos que é um caso extremo, de mulher que sofre uma violência absurda. E pelo menos a lei terminou com a impunidade completa, ainda que falte uma política de mediação familiar. Em Porto Alegre, durante a época áurea das prefeituras petistas, eles tinham um programa com relação à violência, faziam um trabalho com o agressor – porque há mulheres que não querem se separar do cara. Não estou falando de estupro, porque nesse caso o agressor vai para a cadeia. Estou falando de violência em família mesmo, que é a que mais acontece. Essas políticas de mediação são muito eficazes, mas dão trabalho.
E os partidos ideológicos do Congresso?
O Congresso não reflete a maioria do País. Reflete os partidos que tiveram dinheiro suficiente, corrupção e tal, para chegar lá. São poucos os partidos ideológicos, como o PSOL e o PCdoB. O resto virou tudo partido fisiológico, estão lá para permanecer no poder. Todos, infelizmente. Mais à direita, menos à direita, alguns com programa social, alguns com programa antissocial, de criminalização dos movimentos sociais. Veja o Alckmin (Geraldo Alckmin, governador de São Paulo) com as escolas estaduais. E situações tragicômicas de uma lei antiterror defendida por um “ex-terrorista”, Aloysio Nunes Ferreira (senador, PSDB-SP). O Aloysio sabe como é fácil alguém te chamar de terrorista. Mas uma coisa é o Bolsonaro, que foi Bolsonaro a vida inteira. O que faz um cara com a história do Aloysio virar essa coisa vergonhosa?
A senhora acha que esses movimentos que passam pelas redes sociais, como #foracunha ou #primeiroassedio, colaboram ou prejudicam?
Eles foram espontâneos e claro que colaboram. Pessoas se colocarem como sujeitos, promoverem uma ação, lutarem contra alguma coisa que incomoda é positivo. Eu não tenho a mesma plataforma que essas meninas, com certeza. Já não me assediam mais, é uma das vantagens da velhice (risos). Mas sofri muito com isso, está certo? É horrível! Nos anos 1970, a Marta Suplicy, na fase áurea de sua atuação como feminista, tinha um programa de rádio no qual ela questionava essa coisa de passar a mão. E perguntava: você gostaria que eu passasse a mão no seu pinto? (risos) Realmente, se uma mulher faz alguma coisa assim com os homens, eles ficam apavorados.
Também tem uma pressão sobre os homens, de ser machão, abordar as mulheres…
Sem sombra de dúvida. O culto do macho deve ser um cansaço. Mas o que se vê hoje é outra coisa. Tem mais espaço para os homens fazerem o que eles tinham vontade de fazer e não podiam, que é cuidar de criança, cozinhar… Não é que o homem cuida de criança como a mulher, ele cuida de criança como homem, tem outra maneira de se relacionar com o espaço doméstico. É outra forma, e boa porque tem a diferença. Mas ainda tem os machistinhas, que nasceram com o sexo dominante e, como se sentem fragilizados nessa situação, reagem com agressão. Daí a quantidade de violências gratuitas que as mulheres estão sofrendo. É aquela história, o feminismo nunca matou ninguém, o machismo mata todo dia.
Mas a sexualidade também mudou. Antes, era comum a mulher se casar, ter filhos, cuidar da casa, não?
Tem uma coisa que acho fundamental na luta das mulheres: se sentir bem no seu corpo, poder sair na rua, almoçar com alguém ou sozinha, se sentir bem e não achar que é uma espécie de leprosa porque está sozinha. Indiscutivelmente houve um notório avanço. Na geração de minha mãe as mulheres desquitadas eram desconsideradas e viviam sofrendo assédio. Muitas usavam dupla aliança para fingir que eram viúvas. E a maior parte delas dependia financeiramente do marido. Quando voltei ao Brasil, em 1975, uma mulher sozinha tinha muita dificuldade em alugar um apartamento em seu nome.Também é indiscutível que as conquistas tiveram um preço, pois as mulheres assumiram maiores responsabilidades no trabalho, mas não conseguiram diminuir sua carga de serviços domésticos e familiares. E ainda há toda a pressão pela aparência física. Eu gostaria muito que as meninas de hoje não acordassem duas horas mais cedo para lavar e secar os cabelos. E que não perdessem tanto tempo com os selfies! Apesar disso, sou otimista com respeito às novas gerações e gosto imensamente de conviver com os jovens. Vocês nem imaginam quanto aprendi com minhas netas! E não foi uma alegria ver os jovens tomarem as escolas que seriam desativadas pelo programa de “reorganização” do governo Alckmin?
Carta aprovada na IV Conferência Nacional de Políticas para as Mulheres – Brasília – DF – 12 de maio 2016
Nós, delegadas representando as brasileiras presentes nas conferências Municipais e Estaduais, reunidas na 4ª. Conferência Nacional de Políticas para as Mulheres, cujo tema é “Mais Direitos, Poder e Participação para as Mulheres”, nos dirigimos ao povo brasileiro para expressar nosso repúdio veemente ao golpe de Estado que pretende interromper o mandato da primeira e única mulher que venceu duas eleições presidenciais e tem, até o ano de 2018, o direito e a legitimidade de exercer o comando da Nação. A disputa política é salutar, quando ocorre nos marcos da legalidade.
O que está acontecendo no Brasil é completamente fora da ordem institucional. A presidenta Dilma Rousseff sofreu um processo de abertura de impeachment numa sessão da Câmara de Deputados, realizada no dia 17 de abril, orquestrado por forças oposicionistas, pelo vice-presidente Michel Temer, e pelo presidente da Câmara dos Deputados, Eduardo Cunha, que é réu em processos de corrupção e lavagem de dinheiro, razão pela qual foi afastado recentemente do cargo de deputado, por decisão do Supremo Tribunal Federal.
A sessão entrará para a história como um triste episódio, pelo baixo nível do debate político e porque não há, no processo, nenhum crime de responsabilidade praticado pela presidenta, nenhuma violação dos princípios constitucionais que justifique a drástica medida da perda do mandato que a ela foi assegurado por mais de 54 milhões de brasileiras e brasileiros.
Com a admissibilidade do impeachment aprovada no Senado, tal medida trará graves consequências para a jovem democracia brasileira. Estaremos diante de uma ruptura institucional, no momento em que o país completa apenas três décadas do fim da ditadura militar. A presidente é uma mulher honesta, que dedicou grande parte de sua juventude à luta pela liberdade e pelo resgate à democracia, sendo objeto de um golpe jurídico-parlamentar-midiático, que lhe acarretará a perda de seu mandato e o direito de exercer cargos públicos durante oito anos. Desde que se reelegeu, a presidenta Dilma Rousseff tem sofrido ataques sistemáticos.
Seu governo está sob permanente cerco de forças políticas opositoras, da grande mídia, de parte do Poder Judiciário e outras instituições que deveriam preservar o estado democrático de direito e põem a democracia em grave risco, com o apoio dos holofotes midiáticos. Aqueles que perderam quatro eleições seguidas estão determinados a interromper o projeto de Relatório Final da IV Conferência (4993149) SEI 08000.053438/2017-59 / pg. 40 41 governo popular que promoveu e ampliou os direitos civis e sociais de milhões de brasileiros. Querem culpar a presidenta pela crise econômica em curso, embora saibam que a crise é global, e atinge economias de grandes países capitalistas em todo o mundo, a exemplo dos EUA, em 2009, e diversos países europeus.
A grande instabilidade política que impera no Brasil é que agrava ainda mais a situação e inviabiliza a gestão da presidenta e sua equipe, impedindo-as de conduzir o Brasil para uma virada e retomada do caminho do crescimento e da distribuição de renda. Repudiamos os ataques que a presidenta da República vem sofrendo, que a atingem principalmente na sua condição de mulher. Charges, memes, hashtags pornográficas, adesivos alusivos ao estupro da presidenta, reportagens de jornais e revistas traduzem o duro viés do discurso misógino, fundado no patriarcalismo estrutural, que resiste na sociedade. Tudo é feito para incapacitar, para desconstruir a imagem de Dilma, enquanto gestora e mulher, aos olhos do povo – o que agride não só a ela, mas a todas as mulheres. Declaramos nosso apoio à presidenta, entendendo que divergências políticas e ideológicas devem ser manifestas nos marcos da legalidade e do respeito às regras do bom convívio social.
Se tivéssemos a história da humanidade registrada pelo reconhecimento das experiências das mulheres, por certo a história da construção política da democracia e dos estados democráticos de direito vivenciaram formas mais coletivas de se posicionar. E não diante dos embustes reproduzidos pela globalização, mas pelas lições de responsabilidade para com o bem comum, tão presentes às experiências históricas de gerações e gerações de mulheres. E é assim que queremos nos manifestar, com a certeza de que seguiremos juntas, enfrentando as novas dinâmicas de um patriarcalismo que também se renova na vileza dos fascismos contemporâneos. Nunca sozinhas, e muito menos poucas. Nossas alianças não estão paralisadas nas nossas diferenças. Ao contrário – evidenciam a força que segue brotando de nossas cumplicidades e nos impelem ao permanente exercício da luta que, temos certeza, seguirá transformando nossa sociedade. Por sabermos que nenhuma de nós se sustenta fora desta esteira é que em nosso exercício sempre cabe o reconhecimento por aquilo que cada uma tentou em benefício de todas nós.
Seguimos empoderadas em nosso exercício de caminhar rumo à justiça social e igualdade. Por fim, nós mulheres, queremos que o combate à corrupção se dê através de uma ampla Reforma Política, com participação popular, que mude radicalmente o processo de financiamento das campanhas e que garanta mecanismos de Relatório Final da IV Conferência (4993149) SEI 08000.053438/2017-59 / pg. 41 42 ampliação da representação das mulheres, de diferentes gerações, da representação negra, de trabalhadoras rurais, das lésbicas e trans, ciganas, das idosas, das pessoas com deficiência e de outros grupos historicamente excluídos, nas instâncias dos poderes legislativos e executivos.
As emblemáticas palavras da presidenta nos impele a lutar pela restauração da verdadeira justiça: “Pode-se descrever um golpe de Estado com muitos nomes, mas ele sempre será o que é – a ruptura da legalidade, atentado à democracia.
Não importa se a arma do golpe é um fuzil, uma vingança ou a vontade política de alguns de chegar mais rápido ao poder”.
Conclamamos a todos e a todas, cidadãs e cidadãos brasileiros, a defender a democracia, a não aceitar nenhum governo que não passe pelo crivo das urnas.
A Constituição de 1988 é nítida em seu artigo 1º, parágrafo único: “Todo poder emana do Povo, que o exerce por meio de seus representantes eleitos, ou diretamente…”.
Cumpre-se, portanto, o princípio constitucional, garantindo o pleno exercício do mandato da presidenta da República, Dilma Rousseff, eleita democraticamente. Pela Democracia! Por nós! Por todas as mulheres! Por todo o povo brasileiro! DILMA FICA!!! Brasília, 12 de maio de 2016
Laura Mury – Laura Mury A Professora e Gestora em Direitos Humanos e Fundadora do Tecle Mulher – Assessoria e Pesquisa no Âmbito dos Direitos da Mulher
Mesmo antes da pandemia do Coronavírus chegar ao planeta Terra, pela entrada da segunda dezena do século XXI, viemos percebendo claramente uma efetiva mudança nas características comportamentais das sociedades. A enorme transformação tecnológica da era digital atinge, por esse tempo, todos os níveis e camadas da coletividade. O Mercado, como o conhecíamos, muda seu formato bruscamente e assim, as grandes lojas físicas dão lugar ao mercado virtual. Essa grande facilidade de consumo passa a mover uma indústria de coisas, principalmente as tecnológicas, bem como ao incentivo à propaganda massiva que induz ao gasto exacerbado de inutilidades.
Igualmente, a comunicação também se torna, a cada dia, mais dinâmica, o que implica num conhecimento enorme de fatos que não necessariamente agregam valores às nossas vidas. A privacidade deixa de existir como em um passe de mágica, e, de repente, nos constituímos em seres visualizados em pixels e valorizados pelo CPF e pelo modelo do celular que utilizamos.
Dessa forma, percebemos um mundo definitivamente ainda mais dividido entre aqueles que dominam a tecnologia e os analfabetos tecnológicos, independente de classe social. Uns, anos luz À frente dos outros que estão seriamente fadados À extinção seja por guerras químicas, biológicas ou mesmo pela fome de alimentos e de água.
Assim, quando um vírus desconhecido aparece dentro desse panorama social, nós, brasileiros, assistimos confortavelmente pela TV, como a um ilustre filme de terror, a contaminação matando milhares de pessoas na China. Após algumas semanas, observamos, da mesma forma, o mesmo caos na Itália e sucessivamente, país após país, vimos o vírus chegar À América do Norte, até que, depois de uma grande festa carnavalesca, o mesmo desembarca no Brasil.
Atualmente, detemos um dado de contaminados e mortos em números que representam um dos maiores do planeta, superando até mesmo os da China que tem uma população maior do que a do Brasil.
Quando ainda não existe vacina ou medicamento para o tratamento dessa doença, a permanência das pessoas dentro das suas casas é o único meio adequado para evitar a sua contaminação. A adaptação de forma urgente, para essa nova característica do cotidiano, transforma terrivelmente as vidas das pessoas, principalmente a vida das mulheres que, além de trazer o trabalho profissional para dentro de casa, assumem diretamente o estudo dos filhos e os encargos domiciliares. O estresse dessa mudança potencializa não um sentimento de solidariedade, mas principalmente o da angústia pela perda da sua liberdade. A convivência confinada potencializa, da mesma forma, os padrões da violência doméstica, mesmo daqueles que são imperceptíveis a um olhar menos criterioso. Por todas essas questões, juntas ou em separado, as mulheres são penalizadas e, mais ainda, aquelas que são chefes de família, as que trabalham de forma autônoma e que, por algum motivo, perderam seus empregos.
A incógnita do futuro é angustiante e nos perguntamos o que nos aguarda, enquanto mulheres, ao fim dos próximos meses? Não existe resposta, porém temos a certeza que existe um imenso desafio para a volta ao mundo social, mas bem sabemos que ainda é através das mulheres, que a sociedade conta com uma resposta, assim como nos tem mostrado a história humana, das eternamente Mulheres de Atenas.
(*) Laura Mury é Professora e Gestora em Direitos Humanos e Fundadora do Tecle Mulher – Assessoria e Pesquisa no Âmbito dos Direitos da Mulher
Continue a leitura.Equipe das Nações Unidas do Brasil – Por ocasião da revisão dos 20 anos da Declaração e Plataforma de Ação da IV Conferência Mundial Sobre a Mulher (realizada em 1995, em Pequim), os Estados Unidos constataram que a plena igualdade de gênero não é realidade em nenhum país…
Por ocasião da revisão dos 20 anos da Declaração e Plataforma de Ação da IV Conferência Mundial Sobre a Mulher (realizada em 1995, em Pequim), os Estados Unidos constataram que a plena igualdade de gênero não é realidade em nenhum país no mundo.
No mesmo ano, a adoção da Agenda 2030 para o Desenvolvimento Sustentável refletiu estes achados e a necessidade de combater em todo o mundo desigualdades e discriminações contra mulheres e meninas, que resultam em violência e limitam seu acesso ao trabalho decente, a participação política, a educação e a saúde.
Dada a relevância da questão, o 5 ° dos 17 Objetivos de Desenvolvimento Sustentável (ODS) apresentados pela Agenda 2030, estipula como meta o alcance da igualdade de gênero e o empoderamento de todas as mulheres e meninas. Além dele, outros 12 ODS incorporam explicitamente metas desagregadas por sexo, sendo que todos podem ser lidos a partir da perspectiva de gênero.
A Agenda 2030 reafirma princípios contidos nas principais normas internacionais relativas aos direitos humanos das mulheres, tais como a Convenção para Eliminar Todas as Formas de Discriminação contra a Mulher (CEDAW) e a Plataforma de Ação de Pequim.
Além destas, destacam-se no tema uma série de Convenções adotadas pela Organização Internacional do Trabalho (OIT), que definem as normas internacionais mínimas do trabalho; o Plano de Ação de Cairo adotado na Conferência Mundial de População e Desenvolvimento; e a própria Declaração Universal de Direitos Humanos. Documentos como a Convenção pela Eliminação da Descriminação Racial, Declaração dos Povos Indígenas e a Declaração e Plano de Ação da III Conferência Mundial pela Eliminação do Racismo, Discriminação Racial, Xenofobia e Intolerâncias Correlatas, versam sobre a forma como mulheres negras e indígenas vivenciam de forma diferenciada o racismo e o sexíssimo.
Dos instrumentos regionais dos quais o Brasil é signatário, a Convenção Interamericana para Prevenir, Punir e Erradicar a Violência Contra a Mulher (1994) destaca-se pelos importantes desdobramentos que teve para a legislação nacional de enfrentamento à violência contra as mulheres.
Documentos resultantes das Conferências Regionais da Mulher também servem como guia para a ação dos Estados Latino-americanos e Caribenhos.
No campo do ensino, há extenso ordenamento jurídico que garante o compromisso com um ambiente de ensino livre de discriminação e preconceitos, capaz de atender a todos/as em suas necessidades básicas de aprendizagem destacando-se a Agenda 2030, a Declaração Mundial sobre Educação para Todos e Convenção sobre os direitos das pessoas com deficiência (2006). A Declaração Ministerial da Cidade do México Prevenir com Educação (2008) trouxe À tona a questão de educação em sexualidade como direito de todos/as os/as cidadãos livre de qualquer discriminação.
Revista RADIS n. 174 p. 05 – Uma publicação mensal da FIOCRUZ
“As mulheres do zika foram esquecidas”, denunciou Debora Diniz, em artigo publicado na revista Carta Capital (6/2). Pesquisadora do Instituto de Bioética (Anis) e integrante da Rede Nacional de Especialistas em Zika e Doenças Correlatas, do Ministério da Saúde, ela escreveu sobre as mães e crianças “abandonadas pela política pública, que sobrevivem como podem a uma das maiores tragédias já vistas no Brasil”. Débora, que é autora do livro “Zika — Do Sertão Nordestino à Ameaça Global”, lançado em 2016 pela editora Civilização Brasileira (Radis 169), lamentou que, passados o alarme inicial em torno da doença, as eleições e as promessas feitas, o medo tenha se tornado realidade para as famílias vítimas do vírus. “Não há mais candidato a vereador levando e trazendo as mulheres e crianças para os exames”, registrou a pesquisadora, lembrando que, um ano após a Organização Mundial da Saúde ter anunciado emergência global por conta da doença, os benefícios especiais, os centros de referência, os cuidados precoces se tornaram apenas promessa por conta da crise econômica. “O governo federal prometeu que toda criança seria feliz. Felicidade é promessa gigante para política pública; exige mais do que primeira dama de azul”, criticou a pesquisadora, referindo-se ao discurso pronunciado em agosto de 2016 por Marcela Temer, designada embaixadora do programa Criança Feliz, do governo federal, quando a primeira dama declarou que se sentia feliz por “colaborar com as causas sociais”. Debora narrou as condições em que vivem as mães de filhos vítimas da zika, no sertão de Alagoas — sem alimentação ideal e sem condições de transporte para atendimento — e fala de uma segunda geração de mulheres que se infectou com o vírus na gravidez, cujos filhos nasceram afetados pela síndrome neurológica. “Não sei se há alguém feliz nesta tragédia humanitária”, questiona Débora, advertindo que ainda há muito por se fazer. “Talvez, haja gente aliviada pelo silêncio. Se não houver pressão pública pelo anúncio do primeiro ano da epidemia global, é porque o problema não mais existe: zika acabou no Brasil, dizem alguns”. Opinião semelhante foi manifestada pela primeira médica a detectar a ligação entre o zika vírus e os fetos com má formação. Em entrevista à Agência Reuters (7/2), Adriana Melo, do Instituto de Saúde Elpídio de Almeida (Isea), em Campina Grande (PB), disse que o Brasil esqueceu rápido demais a tragédia das mães e dos dois mil bebês nascidos com microcefalia e corre o risco de uma segunda onda de infecções, caso o vírus sofra mutação. Ela disse temer que a assistência de longo prazo “esteja começando a falhar agora que a crise passou e o interesse pelo assunto diminuiu”, e estimou que em aproximadamente uma década o Brasil terá uma nova geração de mães em potencial que não são imunes e, portanto, estarão vulneráveis, caso o vírus comece a circular novamente. Na entrevista, ela atribuiu a diminuição do número de casos de microcefalia em recém-nascidos como resultado à imunidade adquirida pela população do Nordeste, região do país mais atingida pelo zika, mas advertiu que a doença vai seguir seu curso: “O que vai acontecer é que o vírus não vai desaparecer, ele veio para ficar e vamos ter casos esporádicos, vai ficar como qualquer megalovirus”, declarou. “Eu tenho medo de toda essa calma e de a gente baixar a guarda”, alertou, lembrando que não se deve relaxar na proteção contra o mosquito Aedes, que dissemina o vírus.
Continue a leitura.Liz de Oliveira Motta Ferraz – Ativista feminista e dos direitos humanos das mulheres. Historiadora. Especialista em Gênero, Desenvolvimento Regional e Políticas Públicas (UFBA). Aluna do Mestrado em Educação e Contemporaneidade – UNEB. Pesquisadora sobre violência…
Após os terriveis acontecimentos que culminaram no frio assassinato da adolescente Eloá Cristina Pimentel, me pergunto se minha vida de militancia feminista faz sentido. Apesar de algumas vitórias no campo da Jurisprudência, haja vista a Lei 11.340/06, os casos escabrosos de violências contra as mulheres insistem em prevalecer no cotidiano como pesadelos reptícios.
Parece-me que, como um jogo maldito, a cada conquista no campo dos direitos humanos um novo caso jogado no tabuleiro das relações de Gênero. Vigiamos, conscientizamos e punimos por um lado e, pelo outro, feminicídios, estupros e agressões surgem como uma enxurrada alertando para o efeito dominó que se perpetua pela sociedade: da menina que É criada nos ditames machistas “ brinca de casinha com sua boneca prevendo sua sina passando a adolescente que cultua o corpo e o utiliza como produto para o consumo fálico, até a mulher que concretiza seu destino quando recebe a primeira bofetada do companheiro.
Interessante pensar sobre a coincidência de situações que surgem posteriormente a crimes como o de Eloá; menos de 48h depois do malfadado cárcere da jovem, uma grávida de 18 anos foi mantida refém pelo ex-companheiro em Salvador por 16 horas. Acaso ou simplesmente uma constatação de que crimes assim ocorrem todos os dias? Com apenas um diferencial: antes corriam de boca a boca e atualmente transformaram-se em nicho lucrativo para as mídias que fuçam a presa como animal faminto.
Adianto em dizer que visibilizar os crimes na TV, imprensa e rádios não é de todo ruim; ao contrário, expõe uma ferida crônica que de tão mexida já se alastra pelo corpo social. O grande problema, para mim, se traduz na condução da notícia e na percepção da sociedade. Não conseguimos enxergar para além das câmeras, não refletimos a partir das relações de Gênero, construídas e sedimentadas ao longo de anos de discursos que reafirmam o papel marginal da mulher na História; apenas concluÍmos que o pai de Eloá são ou não um procurado da Justiça e que Lindemberg Fernandes era seu comparsa. De alguma forma, o feminicídio perpetrado pelo ex-namorado de Eloá fica embaçado e perde seu simbolismo cruel em meio aos possíveis crimes do seu pai.
Na verdade, a sociedade tende a ficar aliviada quando situações assim se desdobram. É mais cômodo discutir e julgar um criminoso comum do que analisar a teia de preconceitos que se articula por detrás do feminicídio de Santo André. Posicionado em segundo lugar, a morte da garota perde seu status na luta contra a violência à mulher e torna-se estatística e manchete do jornal de ontem, em contrapartida a vida pregressa do seu pai alçada à notícia da capa.
Não demonizo as mídias, mas já ouvi de muito repórter e jornalista carimbado a expressão crime passional se referindo ao crime cometido por Lindemberg. Isso é preocupante e frustrante, após mais de 30 anos da morte de Ângela Diniz e Eliana de Gramond, mortas respectivamente por seus companheiros Doca Street e Lindomar Castilho, sob a alegação de legítima defesa da honra e crime passional, ainda suportamos passivos/às discursos machistas que redundam na banalização da violência. Mesmo porque esses femicídios, que ficaram mundialmente conhecidos, foram a pedra de toque das lutas feministas contra a violência à mulher, que na época cunharam o slogan: Quem ama não mata.
Durante os vários dias que a imprensa explorou esse crime não se ouviu falar na aplicação da Lei Maria da Penha. Será que passou despercebido? Não. Simplesmente a Lei não enquadra ex-namorados e ponto final. Mais uma vez a morte de Eloá passa a ser homicídio qualificado e não violência de Gênero; mais uma vez varremos a violência contra a mulher para debaixo do tapete e, mais uma vez, os ditames patriarcais prevalecem.
Dai o questionamento sobre o sentido da minha militancia feminista. Levamos décadas para obrigar o Estado a nos olhar como gente, para termos direito ao voto, direito a ir e vir, a trabalhar e no final das contas, o produto dessa luta, a Lei Maria da Penha, não enquadra este ou aquele criminoso.
Embora um tanto incredula não desmereço a Lei; ao contrario, a Lei Maria da Penha é inovadora e, de certa forma, revolucionou a Jurisprudência brasileira, foi um verdadeiro plus na luta feminista. Temo apenas que, como muitas no Brasil, a Lei 11.340/06 torne-se esquecida e empalidecida pelos elementos marginais que compõem episódios como o de Eloá: pai, vingança, política, parente de, matar por profissão.
Enquanto acreditarmos que uma bofetada na mulher pesa menos que uma bala num homem não teremos, de fato, um país democrático, um país de todos.
Liz de Oliveira Motta Ferraz -Baiana do municÃpio de Feira de Santana é feminista e atua na luta contra a violência as mulheres. É graduada em História e Especialista em Gênero, Desenvolvimento Regional e Políticas Públicas pela Universidade Federal da Bahia. Atualmente é assistente de pesquisa do Observatório Lei Maria da Penha (NEIM/UFBA).
(*) Ativista feminista e dos direitos humanos das mulheres. Historiadora. Especialista em Gênero, Desenvolvimento Regional e Políticas Públicas (UFBA). A aluna do Mestrado em Educação e Contemporaneidade é UNEB. Pesquisadora sobre violência doméstica e de gênero. Participante da Marcha das Vadias é a SSA/Ba. Co- Fundadora e colaboradora do Tecle Mulher. lizmotta@hotmail.com
Liz de Oliveira Motta Ferraz – Ativista feminista e dos direitos humanos das mulheres. Historiadora. Especialista em Gênero, Desenvolvimento Regional e Políticas Públicas (UFBA). A aluna do Mestrado em Educação e Contemporaneidade é“ UNEB. Pesquisadora sobre violência…
Os movimentos sociais e intelectuais de base feminista lutaram, ao longo de décadas, pelos direitos das mulheres. As chamadas ondas feministas reivindicaram, cada qual em seu contexto histórico, a defesa dos direitos humanos das mulheres. Inicialmente a prioridade se concentrava na busca pela igualdade de direitos (votar e trabalhar), do ir e vir sem a autorização do homem; ou seja, pelo exercício pleno da cidadania. Posteriormente, o movimento se detém na luta contra a discriminação de gênero e sexual e, já nos anos 90, as questões citadas são amplamente reavaliadas na busca de estratégias para a consolidação destas conquistas.
Porém, apesar de todas as conquistas e visibilidade, as mulheres ainda continuam a sofrer violência doméstica. É às vezes camuflada, mas na maioria explícita, a violência se alimenta do silêncio, do medo, da vergonha e da falta de conhecimento das vítimas. Pode parecer absurdo, mas em pleno século XXI muitas mulheres não conhecem a Lei 11.340/06 que é mais conhecida como Lei Maria da Penha e não sabem que é crime ser agredida fisicamente, mentalmente ou moralmente, sem falar no controle ou subtração do seu patrimônio sem sua denúncia.
Parece difícil acreditar, mas a verdade é que muitas ainda se sentem culpadas pelas agressões sofridas e não encontram apoio nem na família, nem na sociedade; esta por sinal é uma verdadeira algoz das vítimas de violência doméstica. Baseada em uma cultura machista e fálica, a sociedade impõe à mulher uma obediência bíblia ao homem, traduzida no silêncio ensurdecedor dos seus gritos e queixas.
Longe de ter uma visão pessimista dos avanços políticos, sociais e jurídicos acredito que muito já¡ foi feito, mas muito mais ainda há¡ que se fazer para garantir os direitos humanos das mulheres que, conceitualmente são os mesmos dos homens; porém, a linguagem androcêntrica na Declaração Universal dos Direitos Humanos utilizando o masculino genérico, embasada a figura feminina colocando-a em um nível simbólico de ser apenas a coadjuvante social do homem.
Obviamente que ações e boas práticas têm sido fomentadas no Brasil com o objetivo de erradicar a violência doméstica da vida de milhares de mulheres. Um belo exemplo de persistência e militância pelos DHM nasceu há dois anos e já é vanguardista por utilizar o meio digital como apoio e orientação às vítimas de violência doméstica. O Tecle Mulher é um site que se manteve desde a sua criação com subsídios de companheiras da cidade de Nova Friburgo, no Rio de Janeiro. Um grupo pequeno, mas extremamente capaz e comprometido com os DHM que, após muita luta (e não poderia ser diferente) conseguiu o apoio da Secretaria Especial de Políticas para as Mulheres/PR e, destarte, para realizar sua primeira Capacitação para a ampliação do quadro de atendentes.
Muito bem estruturada, a Capacitação ocorreu no mês de março e contou com a presença de representantes das cinco regiões do Brasil, e eu tive a honra em representar o Nordeste levando alguns dados e traçando o perfil da mulher nordestina vítima de violência doméstica. Interessante observar que o material que apresentei era escasso devido ao velho problema da falta de dados sobre este fenômeno; mas minha surpresa se fez ao constatar que além de mim outras três regiões também apontaram a mesma dificuldade e ainda mais, elencaram os mesmo problemas que ocorrem no Nordeste: serviços insuficientes, instalações inadequadas ou a total ausência de DEAMs e Varas/Juizados Especiais em vários municípios, profissionais despreparados/as, o não cumprimento da Lei 11.340/06 e uma série de outras limitações que juntas ou isoladas constituem uma inflexão na luta pelos Direitos Humanos das Mulheres.
Neste sentido, o Tecle Mulher representa um avanço por utilizar a internet como meio de comunicação com as mulheres; inclusive e principalmente aquelas que estão em situação de cárcere privado e conseguem, por alguns momentos, acessar o site e pedir ajuda e orientação. Vale lembrar que o serviço é totalmente gratuito e sigiloso e que agora conta com um quadro ampliado de atendentes.
A I Capacitação do Tecle Mulher vem abrir um novo panorama para o movimento feminista e para todas as mulheres por inovar naquilo que já¡ havia se tornado puro neologismo: assim contundentes na luta contra a violência doméstica.
Parabéns Tecle Mulher.
(*) Liz de Oliveira Motta Ferraz -Baiana do município de Feira de Santana é feminista e atua na luta contra a violência as mulheres. É graduada em História e Especialista em Gênero, Desenvolvimento Regional e Políticas Públicas pela Universidade Federal da Bahia. Atualmente é assistente de pesquisa do Observatório Lei Maria da Penha (NEIM/UFBA).
Continue a leitura.Por Mariana Armond Dias Paes – Mariana Armond Dias Paes é doutoranda em Direito na Universidade de São Paulo
No último dia 26, o Consultor Jurídico publicou o texto Feminicídio é retrocesso na busca pela igualdade e no combate à discriminação, de Leonardo Isaac Yarochewsky, sobre o projeto de inclusão do feminicídio no Código Penal.[1] O texto se refere ao PLS 292/2013, aprovado pelo Senado no dia 18 de dezembro de 2014, e que pretende incluir o feminicídio como circunstância qualificadora do crime de homicídio:
“§7º Denomina-se feminicídio à forma extrema de violência de gênero que resulta na morte da mulher quando há uma ou mais das seguintes circunstâncias:
I – relação íntima de afeto ou parentesco, por afinidade ou consanguinidade, entre a vítima e o agressor no presente ou no passado;
II – prática de qualquer tipo de violência sexual contra a vítima, antes ou após a morte;
III – mutilação ou desfiguração da vítima, antes ou após a morte:
Pena – reclusão de doze a trinta anos.”[2]
O projeto deve, ainda, ser votado pela Câmara dos Deputados.
Não entrando no debate acerca da criminalização excessiva de condutas, é importante reconhecermos, no entanto, que o PLS 292/2013 representa um avanço no combate à violência contra a mulher. Ele evidencia que existem tipos de violência aos quais as mulheres são submetidas pelo simples fato de serem mulheres. Ou seja, o PLS reconhece que existe violência de gênero no Brasil e que esse é um problema a ser combatido pelo Estado.
Outro mérito é que o projeto atrela o feminicídio à relação de afeto ou parentesco que, na maioria das vezes, a vítima tem com seu agressor. De acordo com dados levantados pela Secretaria de Políticas para Mulheres, nas 30.625 denúncias que o Disque 180 recebeu durante o primeiro semestre de 2014, em 94,02% dos casos, a vítima tinha ou relação familiar (82,82%) ou relação de afeto (11,2%) com o agressor.[3]
Fica evidente, então, que a violência sofrida pela mulher não é uma violência como outra qualquer, mas ocasionada, principalmente, pela sua condição de mulher e praticada no âmbito doméstico e familiar.
Após reconhecer que “a violência contra mulher é um dos males que assolam e desafiam a sociedade em todo mundo”, Yarochewsky argumenta que o PLS discrimina a mulher, considerando-a como “sexo frágil”. Seria um projeto “paternalista” e que violaria o princípio da igualdade. Ao incluir o feminicídio no Código Penal, o PLS estaria dando mais valor à vida da mulher do que à do homem.
Yarochewsky se equivoca ao afirmar que a inclusão do feminicídio no Código Penal representa uma forma de discriminação. E o faz porque sua noção de igualdade está inspirada pela ideia de igualdade formal. De fato, com a Constituição de 1988, as mulheres brasileiras conquistaram a igualdade formal. De acordo com o artigo 5º, inciso I, homens e mulheres são iguais em direitos e obrigações. Porém, as mulheres ainda não conquistaram a igualdade material em relação aos homens. Apesar de, formalmente, poderem gozar de todos os direitos que são reconhecidos aos homens, na prática, as mulheres ainda sofrem diversas restrições no exercício desses direitos.
Nossa sociedade está alicerçada em uma divisão desigual do trabalho e do usufruto do tempo. Às mulheres ainda cabe a maior parte das atividades domésticas e de cuidados. Conforme pesquisa empreendida pelo IPEA, o tempo médio que os homens brasileiros dedicam ao trabalho doméstico é de 10 horas semanais, enquanto as mulheres dedicam 25 horas semanais às mesmas tarefas, o que representa um tempo médio 150% maior do que o gasto pelos homens.[4] Além de, muitas vezes, trabalharem fora, as mulheres ainda têm que cuidar da casa e dos familiares. É a chamada “dupla jornada de trabalho”. Assim, as mulheres têm muito menos tempo para se dedicar a outras atividades, como, por exemplo, a vida política. Essa divisão desigual também tem reflexos na sua carreira profissional: no Brasil, os homens ganham aproximadamente 30% a mais do que as mulheres da mesma idade e nível de instrução.[5]
É o trabalho não remunerado que acaba limitando o exercício de direitos pelas mulheres e possibilitando o exercício pleno desses mesmos direitos pelos homens. Essa situação faz com que uma importante parte das mulheres se veja em situação de dependência e vulnerabilidade em relação a seus parceiros. E é essa desigualdade material que está na base da violência de gênero.[6] Ao contrário do que afirma Yarochewsky, não se trata de considerar a mulher como “sexo frágil”, mas de reconhecer que mulheres e homens vivenciam, na vida privada, no âmbito doméstico e nas relações afetivas, situações de desigualdade que propiciam o uso da violência contra as mulheres. Assim, nas palavras de Leda Maria Hermann:
Reconhecer a condição hipossuficiente da mulher vítima de violência doméstica e/ou familiar não implica invalidar sua capacidade de reger a própria vida e administrar os próprios conflitos. Trata-se de garantir a intervenção estatal positiva, voltada à sua proteção e não à sua tutela.[7]
Como argumenta Maria Berenice Dias, o próprio texto constitucional prevê tratamentos diferenciados para homens e mulheres. Essa diferenciação constitucional não tem como base diferenças biológicas, mas as desigualdades entre eles na divisão do trabalho. Ressalta a autora que:
O que se deve atentar não é à igualdade perante a lei, mas o direito à igualdade mediante a eliminação das desigualdades, o que impõe que se estabeleçam diferenciações específicas como única forma de dar efetividade ao preceito isonômico consagrado na Constituição.[8]
Dias afirma, ainda, que a efetivação do princípio constitucional da igualdade depende do reconhecimento das diferenças e das desigualdades históricas entre homens e mulheres:
Para pensar a cidadania, hoje, há que se substituir o discurso da igualdade pelo discurso da diferença. Certas discriminações são positivas, pois constituem, na verdade, preceitos compensatórios como solução para superar as desequiparações.
Mesmo que o tratamento isonômico já esteja na lei, ainda é preciso percorrer um longo caminho para que a família se transforme em espaço de equidade.[9]
Ao tratar da constitucionalidade da Lei Maria da Penha, também o STF se pronunciou a respeito da desigualdade de gênero. No julgamento da ADI 4.424, os ministros entenderam que a atuação do Estado no combate a esse tipo de violência de gênero está fundamentada em diversos dispositivos jurídicos, como, por exemplo: a) artigo 226, parágrafo 8º da Constituição Federal (“O Estado assegurará a assistência à família na pessoa de cada um dos que a integram, criando mecanismos para coibir a violência no âmbito de suas relações.”); b) Convenção sobre a Eliminação de Todas as Formas de Violência contra a Mulher; e c) Convenção Interamericana para Prevenir, Punir e Erradicar a Violência contra a Mulher.
No caso presente, não bastasse a situação de notória desigualdade considerada a mulher, aspecto suficiente a legitimar o necessário tratamento normativo desigual, tem-se como base para assim se proceder a dignidade da pessoa humana – artigo 1º, inciso III –, o direito fundamental de igualdade – artigo 5º, inciso I – e a previsão pedagógica segundo a qual a lei punirá qualquer discriminação atentatória dos direitos e liberdades fundamentais – artigo 5º, inciso XLI.[10]
Caberia ao Estado “acelerar o processo de construção de um ambiente de real igualdade entre os gêneros”.[11] E ainda:
Não se pode olvidar, na atualidade, uma consciência constitucional sobre a diferença e sobre a especificação dos sujeitos de direito, o que traz legitimação às discriminações positivas voltadas a atender as peculiaridades de grupos menos favorecidos e a compensar desigualdades de fato, decorrentes da cristalização cultural do preconceito.[12]
Assim, não há que se falar que a inclusão do feminicídio no Código Penal seria inconstitucional, uma vez que ela não é contrária ao princípio da igualdade, mas busca, justamente, promover uma maior efetivação desse princípio.
Também é importante frisarmos que o feminicídio já foi tipificado em diversos países da América Latina: Costa Rica (2007), Guatemala (2008), Chile (2010), Peru (2011), El Salvador (2012), México (2012) e Nicarágua (2012).[13] No México e na Guatemala, por sinal, a constitucionalidade desse preceito foi contestada sob o mesmo argumento de suposta violação do princípio da igualdade. Em nenhum dos casos a tese prevaleceu. No México, a Suprema Corte de Justicia de la Nación decidiu que:
[…] la creación legislativa del feminicidio cumple con los criterios de objetividad-constitucionalidad, racionalidad y proporcionalidad que, justifica el trato diferenciado y de mayor tutela de los bienes jurídicos concernientes a la vida de la mujer y su dignidad, cuando estén en peligro o sean lesionados en ciertas circunstancias, ello en contraste a lo que acontece con el delito de homicidio propiamente dicho, de ahí la necesidad y justificación de su creación, a fin de prevenir y combatir tal problemática con mayor eficacia, por ello, el feminicidio no viola el principio de igualdad jurídica del hombre y la mujer, pues dicho principio debe entenderse como la exigencia constitucional de tratar igual a los iguales y desigual a los desiguales.[14]
Já na Guatemala, os magistrados da Corte de Constitucionalidade decidiram que:
[…] el derecho que esta norma [art. 4º da Constituição da Guatemala, que prevê a igualdade entre todos os seres humanos] garantiza no exige simplemente un mismo trato legal para todos los ciudadanos, sino determina que, ante situaciones que revelen disparidade de las condiciones o circunstancias existentes (objetivas o subjetivas), el legislador está en posibilidad de observar tales diferencias a fin de que su reconocimiento legal y, por ende, la regulación de um tratamento diferenciado, resulte eficaz para el aseguramiento de los valores superiores que inspiran al texto constitucional y, a la vez, para el logro de los fines que éste impone ala organización social.
[…]
Así las cosas, como cuestión primera, se hace necesario hacer uma remisión a los temas abordados com anterioridad, en cuanto a los motivos que impulsaron al legislador para tipificar los delitos de violência contra la mujer y violência económica contra la mujer, por cuanto existe una realidad apreciablemente distinta que en el contexto social determina un trato discriminatorio y desigual en perjuicio de la mujer, generador de violência en sus diferentes facetas y apoyado en patrones culturales que tienden a ubicar al sexo feminino en situación de subordinación frente al hombre, los que desde una perspectiva democrática es innegable que deben ser superados.[15]
Na maior parte das vezes, nossas instituições naturalizam e reproduzem as assimetrias fáticas entre homens e mulheres. Por isso, é importante que a existência de desigualdades de gênero passe a ser sistematicamente reconhecida pelo poder público. A qualificadora do feminicídio é um passo em direção a esse reconhecimento e significa um avanço no tratamento institucional de um tema que, durante muito tempo, foi ocultado sob o manto das relações privadas.
O princípio da igualdade não deve ser tomado como algo abstrato, cristalizado no texto constitucional. O princípio da igualdade deve estar em constante diálogo com as circunstâncias concretas das vidas de grupos sociais historicamente oprimidos, pois as desigualdades concretas que esses grupos vivenciam em seus cotidianos produzem obstáculos reais à efetivação desse princípio.
Por tudo isso, o feminicídio não “viola o princípio constitucional da igualdade entre pessoas do mesmo sexo”, mas representa um passo na busca pela igualdade. O feminicídio trata de “forma diferenciada a mulher” porque ela é submetida a relações diferenciadas e cabe ao direito atuar nessas assimetrias para garantir a plena concretização do princípio da igualdade. Por fim, o projeto não está “tratando bens jurídicos idênticos (vida humana) de maneira desigual”. Ele está sim procurando preservar a vida das mulheres. Vida essa que está constantemente em risco pelo simples fato de serem de mulheres.
[1] YAROCHEWSKY, Leonardo Isaac. “Feminicídio é retrocesso na busca pela igualdade e no combate à discriminação”. Consultor jurídico, 26 de dezembro de 2014.
Após o fechamento deste texto, o Conjur publicou um outro artigo contrário à inclusão do feminicídio no Código Penal: MACIEL FILHO, Euro Bento. “Não há como justificar a previsão legal do feminicídio”. Consultor jurídico, 28 de dezembro de 2014.
Esse segundo artigo apenas insiste no argumento exposto pelo primeiro, segundo o qual a previsão do feminicídio violaria o princípio da igualdade.
[2] Disponível em: http://www.senado.gov.br/atividade/materia/getPDF.asp?t=133307&tp=1.
[3] Dados disponíveis em: http://g1.globo.com/bemestar/violencia-contra-mulher.html.
[4] Dados disponíveis em: http://www.ipea.gov.br/retrato/infograficos_uso_tempo.html.
[5] Dados de pesquisa realizada pelo Banco Interamericano de Desenvolvimento. Disponível em: http://www.observatoriodegenero.gov.br/menu/noticias/homens-recebem-salarios-30-maiores-que-as-mulheres-no-brasil/.
[6] BIROLI, Flávia e MIGUEL, Luis Felipe. Feminismo e política: uma introdução. São Paulo: Boitempo, 2014. pp. 7-77.
[7] HERMANN, Leda Maria. Maria da Penha: lei com nome de mulher. Campinas: Servanda, 2007, pp. 83-84.
[8] DIAS, Maria Berenice. “Ações afirmativas: a solução para a desigualdade”, p. 2. Disponível em: http://mariaberenice.com.br/uploads/3_-_a%E7%F5es_afirmativas_-_a_solu%E7%E3o_para_a_desigualdade.pdf.
[9] DIAS, Maria Berenice. “A mulher e o Direito”, p. 2. Disponível em: http://mariaberenice.com.br/uploads/23_-_a_mulher_e_o_direito.pdf.
[10] Supremo Tribunal Federal. Ação Direita de Inconstitucionalidade n. 4.424. Relator Ministro Marco Aurélio. Acórdão, p. 11. Disponível em: http://redir.stf.jus.br/paginadorpub/paginador.jsp?docTP=TP&docID=6393143.
[11] Idem, p. 11.
[12] Idem, p. 13.
[13] VÁSQUEZ, Patsilí Toledo. Feminicidio. México: Alto Comisionado de las Naciones Unidas para los Derechos Humanos, 2009. VÍLCHEZ, Ana Isabel Garita. La regulación del delito de femicidio/feminicidio en América Latina y el Caribe. Ciudad de Panamá: ÚNETE.
[14] Suprema Corte de Justicia de la Nación. Décima Época. Registro: 2002307. Tribunales Colegiados de Circuito. Tesis Aislada. Semanario Judicial de la Federación y su Gaceta, Libro XV, Diciembre de 2012, Tomo 2. Tesis I.5o.P.8 P (10a), p. 1333. Disponível em: http://sjf.scjn.gob.mx/sjfsist/Paginas/DetalleGeneralV2.aspx?ID=2002307&Clase=DetalleTesisBL.
[15] Corte de Constitucionalidade. Expediente 3009-2011. pp. 24-25. Disponível em: http://www.cc.gob.gt/documentosCC/SentenciaCC_LeyFemicidio.pdf.
Por Emanuelle F. Goes, Hanna Moore e Juliana Figueiredo –
A garantia do direito reprodutivo e a sua efetivação é um horizonte a ser alcançado, pois na atualidade as mulheres ainda sofrem violação desse direito que são garantidos em documentos e tratados internacionais no que ser refere aos direitos das mulheres e aos direitos reprodutivos.
De acordo com Ventura (2010) os Direitos Reprodutivos: “são constituídos por princípios e normas de direitos humanos que garantem o exercício individual, livre e responsável, da sexualidade e da reprodução humana. E, portanto, o direito subjetivo de toda pessoa decidir sobre o numero de filhos e os intervalos entre nascimentos, ter acesso aos meios necessários para o exercício livre de sua autonomia reprodutiva, sem sofrer discriminação, coerção, violência ou restrição de qualquer natureza”. Já a Saúde Reprodutiva é definida como (UNFPA, 2008): A saúde reprodutiva é o estado de bem-estar físico, mental e social em todos os aspectos relacionados ao sistema reprodutivo, às suas funções e aos seus processos. Envolve a capacidade de desfrutar de uma vida sexual satisfatória e sem riscos, bem como a liberdade de mulheres e homens, jovens e adultos, decidirem se querem ou não ter filhos, o número de filhos que desejam e em que momento da vida gostariam de tê-los No entanto, o que ainda se observa em varias partes do mundo, são as mulheres com os seus direitos violados nas mais diversas dimensões desde a falta de informação do direito, do insucesso da aplicação do direito até a violação propriamente dita por conta do sexismo, do racismo e outras tantas formas de opressões correlatas.
Porem, apesar de estamos falando em direito reprodutiva no seu conceito amplo, vamos aqui nos debruçar sobre o aspecto da esterilização das mulheres, especificamente das mulheres negras. A esterilização é um método contraceptivo definitivo que pode ser realizado em mulheres ou homens por meio de uma intervenção cirúrgica. Já a esterilização forçada ou de coerção é quando é quando a mulher é submetida a tal procedimento sem conhecimento prévio ou autorização ou então quando é coagida para a realização do procedimento ao procedimento.
No Brasil a esterilização forçada juntamente com a esterilização em massa tinha por finalidade diminuir o contingente populacional de negros e pobres no País. Como no Brasil o racismo é estruturante e sistêmico, se utilizou também da esterilização, sobre a égide da eugenia, para a eliminação dos degenerados, indesejáveis e inferiores onde há intenção era que por meio da esterilização em massa das mulheres negras diminuiria o percentual de negros/as no País.
Desde a segunda metade do século XX, na década de 60 um novo elemento seria posto à disposição de racistas eugenistas, as novas tecnologias de controle da fecundidade. Através da interferência nos ciclos hormonais das mulheres, esses métodos abriram novas perspectivas para controle compulsório da fecundidade das mulheres negras, indígenas e asiáticas, para além da esterilização cirúrgica já à disposição (STEPAN, 2005) (WERNECK, 2004). De acordo com o Population Council, em 1990, 69,2% das mulheres brasileiras utilizavam algum método contraceptivo e que deste total 43,9% já estavam esterilizadas. Em 1991, no nordeste do Brasil a esterilização já havia sido feita em 62,9% das mulheres que usavam algum método contraceptivo (ROLAND, 1995). Com isso o movimento de mulheres negras inicia, sob a forma de denúncia, o combate ao genocídio da população negra e à usurpação da liberdade reprodutiva das mulheres. Essa luta vai resultar na criação da Comissão Parlamentar Mista de Inquérito (CPI), instaurada pelo Congresso Nacional Brasileiro, no ano de 1991.
A CPI da Esterilização constatou que houve prestação inadequada dos serviços oferecidos pelas instituições privadas financiadoras de métodos contraceptivos inclusive os irreversíveis, sendo expandida principalmente, nas regiões mais pobres do país. Mas em 1996, por meio da recomendação da CPI, foi aprovada a lei especifica (Lei 9.263/96) que regulamenta o acesso à esterilização feminina (VENTURA, 2010).
A partir da década de 1990 o movimento de mulheres negras e o movimento negro iniciaram uma agenda incisiva na saúde pública, acompanhando o processo da saúde reprodutiva das mulheres negras. Pois de acordo com o Comitê de fiscalização da Convenção Racial, da ONU, são as mulheres negras mais vulneráveis à esterilização forçada e abusos sexuais, inclusive por conta da permanecia no mercado de trabalho principalmente no trabalho doméstico.
A intersecção de raça e gênero conforma as mulheres negras uma situação de opressão e vulnerabilidades, apresentando experiência e trajetória de vida que diferencia das mulheres brancas, por exemplo, pois, o racismo é estruturante no que se refere às condições de vida da população negra, sendo a mulher negra um sujeito que sofre o racismo com o agravamento do sexismo e outras opressões correlatas.
A partir desta reflexão vamos apresentar dois casos denunciados por organizações pelos direitos das mulheres nas diversas mídias, sobretudo nas redes sociais, em que mulheres negras em diferentes contextos vivenciam violações dos direitos reprodutivos por meio da esterilização forçada ou de coação na Califórnia (Estados Unidos da America) e em Nairóbi (Quênia). 1. Mulheres negras presidiárias esterilizadas na Califórnia A complexidade das violações dos direitos sexuais e reprodutivos das mulheres negras torna-se maior no contexto das mulheres negras em situação de prisão. As violações ligadas às prisões femininas permanecem obscurecidas pela a invisibilidade social da prisão (DAVIS, 2001). E no contexto de Califórnia o estado que tem mais prisões dos Estados Unidos, e que tem uma historia longa em relação esterilização carrega uma complexidade profunda. Essa complexidade consiste de atos como o complexo industrial da prisão, o movimento eugenista, leis do estado da Califórnia e embutido em tudo isso, racismo como fator principal. Alem de ser o líder na construção de prisões no país, Califórnia também foi o líder do movimento eugenista do País, tanto que os líderes do movimento eugenista da Califórnia foi consultado pela Alemanha nazista na década de 1930 para desenvolver o processo eugenista na Alemanha. (JOHNSON, 2013a) O complexo industrial das prisões dos Estados Unidos se conecta a privatização das prisões, com empresas e políticas. ‘’A proliferação de prisões e prisioneiros está mais claramente ligada a estruturas e ideologias políticas e econômicas maiores que a conduta criminal individual e os esforços para conter a criminalidade’’.
Em 1995 o orçamento para as prisões era maior do que educação no estado do Califórnia (DAVIS, 2001). Com o crescimento das prisões, a guerra contra drogas também aumentou, e as comunidades negras e latinas eram as mais impactadas pela essa mudança de paradigma.
Para entender porque o sistema prisional está ligado inerentemente ao racismo, nos Estados Unidos os negros chegam há 14% da população americana e são mais de 80% da população prisional. E o Racismo no sistema prisional não pode ser desconectado das questões de gênero, as mulheres negras estão mais afetadas dentro desse sistema e são mais propensas de estarem no sistema prisional dos EUA, elas compõem a maior parte da população de prisões das mulheres. Estatisticamente uma mulher negra nos Estados Unidos tem oito vezes mais chance de estar na prisão do que uma mulher branca (DAVIS, 2001).
O racismo funciona como uma barreira estrutural pesa mais na produção da subordinação e na carga das opressões (CRENSHAW, 2002). “Mulheres negras formam o maior percentual em população prisional (48%), e 35% nos centros de detenção federais, mesmo que sejam apenas aproximadamente 13% da população em geral (DAVIS, 2001)’’.
A história de esterilização na Califórnia vem de muitos anos, no estado tinha leis de esterilização obrigatória, pois o liderado pelo movimento eugenista com a ideologia da supremacia branca e a inferioridade das outras raças. A lei foi criada no inicio do século XX, grupos minoritários, os pobres, os deficientes, os doentes mentais e os criminosos foram apontados como inferiores e esterilizados para evitar a sua propagação de seus genes (JOHNSON, 2013a).
Esse movimento e suas ações eram tão fortes que entre 1909 e 1964 aproximadamente 20.000 homens e mulheres foram esterilizados no Estado da Califórnia, esse movimento ganhou atenção internacional e em 1903, a Alemanha Nazista consultou para adotar as práticas de esterilização (JOHNSON, 2013b). “Posteriormente, essa lei foi ampliada concedendo aos médicos dos asilos e prisões a autoridade de “Assexualizar” os doentes ou presos, pois tal medida iria melhorar sua condição moral, físico e mental” (STERN, 2005). Por causa da base nas ciências, a política de esterilização permaneceu no Estado da Califórnia durante muitos anos. O estado da Califórnia não considerava esterilização como uma punição, mas com uma estratégia de saúde publica (STERN, 2005), como o movimento eugenista propunha a esterilização como uma ferramenta para fortalecer o estado.
É nesse contexto do complexo industrial da prisão e as raízes da esterilização baseada no movimento eugenista, onde identificamos as violações contra mulheres negras em situação de prisão na Califórnia. As violações, ou seja, a violência contra mulheres negras na prisão se manifesta em varias formas: “negligência médica, o abuso sexual, a falta do controle reprodutivo, a perda dos direitos dos pais, a negação dos direitos legais, e os efeitos devastadores de isolamento” (DAVIS, 2001).
A invisibilidade de estar na prisão além da invisibilidade de ser negra e mulher, abrindo espaço para as violações. Ser mulher negra no EUA já tem seus diretos estão limitados, no sentido que legalmente têm direitos, mas na realidade é que esses direitos não estão sendo respeitados ou efetivados. Agora quando uma mulher negra entra no sistema prisional, como prisioneira, oficialmente e legalmente seus direitos que tinha antes ‘teoricamente’ serão retirados. Atualmente a esterilização é ilegal pela a lei, o Estado proibiu a prática em 1979 (JOHNSON, 2013b), mas as violações ainda acontecem.
Entre 2006 e 2010 quase 150 mulheres era esterilizada nas prisões feminina da Califórnia sem a autorização do estado (JOHNSON, 2013a). O contexto dessas esterilizações ilegais nas prisões é um ato de coerção. Num relatório feito pelo o centro de jornalismo investigativo na Califórnia em 2012, que fez várias entrevistas com mulheres que foram esterilizadas, esse fato foi relevado.
Numa entrevista com uma mulher negra detenta que foi coagida para fazer esterilização disse que ela estava grávida e na hora para de dar à luz, um momento emocionante e vulnerável, pois, era quando o medico da prisão sugeriu a esterilização para ela (JOHNSON, 2013b). Numa entrevista com o medico numa das prisões feminina da Califórnia, ele justificou as esterilizações dizendo que, “as esterilizações estão bem mais baratas do que quanto o Estado iria gastar no “welfare” (serviços sociais), para as crianças não desejadas” (JOHNSON, 2013a). Isso faz parte do mito Americano que reproduz o preconceito racial que mulheres negras só têm crianças para receber dinheiro do estado (HANCOCK, 2004). Esterilizações coagidas ou forçadas ilegalmente das mulheres negras nas prisões feminina da Califórnia continuam atrás do véu da burocracia, uma historia de eugenia e práticas do racismo institucional.
As violações estão sendo reveladas por organizações aliadas as mulheres na situação de prisão, no entanto o poder do sistema prisional requer mais pressão para garantir as mulheres negras o direito reprodutivo, direito humano e o direito a vida da população negra. Pois, “Qualquer imposição sobre os direitos reprodutivos é uma injustiça contra o bem-estar dos agregados familiares -. Dos direitos das mulheres, crianças e netos, ou a promessa do futuro” (DAVIS, 2001). 2.
Mulheres Negras com HIV são esterilizadas em Nairobi Antes de falar sobre o tema, cabe caracterizar o local onde são praticados os atos que infringem os direitos humanos, no que diz respeito o direito à vida, à liberdade, à liberdade de opinião e de expressão, o direito ao trabalho e à educação etc.
Todos merecem estes direitos, sem distinção de raça/cor/etnia, gênero, orientação sexual, cultura, religião, origem social, de território ou lugar. Toda pessoa com HIV e AIDS tem direito à continuação de sua vida civil, profissional, sexual e afetiva. Nenhuma ação poderá restringir seus direitos completos à cidadania.
Até os meados de 1993, cerca de quatro quintos de todas as pessoas já infetadas pelo HIV viviam em países em desenvolvimento, onde a infecção estava sendo transmitida principalmente na relação heterossexual, e a quantidade de novos casos estava aumentando mais rapidamente entre as mulheres.
No Quênia, mulheres com HIV e AIDS são vítimas do Estado e de alguns profissionais de saúde. Práticas de esterilização são realizadas sem o consentimento livre, completo e informado da mulher, simplesmente por serem portadoras do vírus HIV e/ou por possuírem a doença (AIDS).
Tal procedimento foi reconhecido por organismos internacionais, regionais e nacionais de direitos humanos como uma violação dos direitos humanos, e como uma forma de tortura e outros tratamentos cruéis, desumanos e degradantes, bem como uma forma de violência contra as mulheres.
De acordo com a Pesquisa Indicadora de AIDS no Quênia 2007, uma em cada dez grávidas no país tem HIV. Crianças com menos de 15 anos representam 16% das pessoas contaminadas; a grande maioria foi infectada pela mãe. Entretanto, o risco de contaminação da mãe para o bebê pode ser reduzido a zero através do uso de antirretrovirais durante a gravidez e o parto, além da adoção da cesariana (APUBLICA).
No relatório realizado pela ONG Iniciativa Africana de Mídia e Gênero, estão detalhados 40 casos de mulheres do Quênia que foram esterilizadas de maneira forçada porque eram soropositivas. Existem relatos de mulheres que demonstram a perversidade cometida quando estas foram parir ou quando precisaram realizar algum procedimento cirúrgico no aparelho reprodutor feminino, por exemplo.
Quando a esterilização foi realizada no momento do parto, há um caso de uma mulher que descobriu no pré-natal que tinha HIV, por esse motivo os médicos lhe disseram que a maneira mais segura de ter o bebê sem transmitir o vírus seria realizando uma cirurgia cesárea.
Durante a cesariana, sem que a mulher soubesse ou desse seu consentimento, foi esterilizada. Além do caso supracitado, que a mulher não tinha conhecimento sobre o que seria realizado existem mulheres que mesmo se recusando em realizar o procedimento, negando-se inclusive a assinar, a esterilização foi realizada.
Se não bastasse a esterilização sem consentimento, as mulheres também são vítimas de outros tipos de violência, a exemplo a psicológica, quando são referidos à elas por profissionais de saúde que é um crime mulheres com HIV terem filhos. Além da justificativa de terem sido esterilizadas por possuírem HIV e/ou AIDS, outras ridículas lhes são apresentadas, como não ter marido ou não possuir fonte de renda para sobreviver e educar os filhos.
A fala que segue, relata o caso de uma mulher que foi esterilizada em um outro momento, que não o parto: “Me disseram que eu precisava de uma cirurgia no meu útero para me livrar de câncer. Foi durante a recuperação pós-cirúrgica quando eu soube que eu tinha sido esterilizada ”
Em resposta às violações constantes dos direitos humanos contra as mulheres que vivem com o HIV, a rede Comunidade Internacional de Mulheres Vivendo com HIV (ICW global), criada por e para as mulheres que vivem com o HIV, liderou uma campanha global contra as violações sistemáticas dos direitos humanos das mulheres soropositivas, afim de documentar e analisar os casos relatados, apoiar os sobreviventes e a mobilização das comunidades, as organizações da sociedade civil e decisões políticos para falar contra essas violações dos direitos humanos.
Na Namíbia, a ICW Global, juntamente com a Namíbia Rede de Saúde das Mulheres, apoiaram dezoito sobreviventes de esterilização forçada ou coagida a abrirem processos contra o Governo.
Estas duas organizações denunciaram a violação do direito de estar livre de tratamento cruel, desumano e degradante, o direito à igualdade e o direito de ser livre de discriminação, entre outros. Até o momento três dos casos foram ouvidas no tribunal, com a decisão reconhecendo que as mulheres não consentiram a esterilização e ordenando compensação (THE GLOBAL COALITION ON WOMEN AND AIDS).
Esterilizações forçadas ou coagidas são fundadas em equívocos, inclusive sobre a transmissão do HIV, e que as mulheres infectadas não são capazes de cuidar e educar seus filhos. Esses equívocos são motivados pelo estigma e pela discriminação a cerca da infecção pelo HIV e da doença. Enquanto isso, as mulheres soropositivas continuam a ter os seus direitos reprodutivos violados.
Considerações Os casos apresentados demonstram a dificuldade do exercício dos direitos reprodutivos por conta de uma sociedade que é estruturada pelo racismo e o pelo sexismo. Para que as mulheres negras efetivarem o livre exercício do direito reprodutivo é necessário que outros campos do direito também sejam garantidos como a igualdade de gênero e de raça assim como assim como ao racismo, o sexismo e todas as formas de opressão compreendendo as mulheres negras nos diversos contextos culturais e locais. De acordo com o documento sobre População e Desenvolvimento, Cairo (1994) a saúde reprodutiva é um direito humano e um elemento fundamental da igualdade de gênero.
Se as lutas por garantias de direitos não contemplar as mulheres e as suas interseccionalidades estarão distantes de efetivar direitos e de reivindicar agendas legitimas, pois a dimensão das trajetórias e experiências vividas deve ser contemplada na agenda tanto no campo da política e quanto do direito.
REFERENCIAS
APUBICA. Agência de Reportagem e Jornalismo Investigativo. Quênia: mulheres soropositivas são esterilizadas sem saber. 17 de setembro de 2012. Disponível em: http://apublica.org/2012/09/quenia-mulheres-soropositivas-sao-esterilizadas-semsaber/. Acesso em: 08 de outubro de 2014.
CRENSHAW, Kimberlé. Documento para o encontro de especialistas em aspectos da discriminação racial relativos ao gênero. Revista Estudos Feministas, vol.10, n.1, p.171-188. 2002.
DAVIS, C. S. Race, Gender and the prison industrial complex California and Beyond. Meridians. (2001).
HANCOCK, A.-M. The Politics of Disgust: The Public Identity of the Welfare Queen. New York: NYU Press. (2004).
JOHNSON, C. California was sterilizing its female prisoners as late as 2010. The Guardian. (2013a).
_____. Female Inmates Steralized in California Prisons without approval. Center for Investigative Reporting. (2013b).
ROLAND, Edna. Direitos Reprodutivos e Racismo no Brasil. Revista Estudos Feministas, n. 506, ano. 3. Rio de Janeiro, 1995.
STEPAN, Nancy L. A hora da Eugenia: raça, gênero e nação na America Latina. Rio de Janeiro: FIOCRUZ, 2005.
STERN, Alexandra Minna P. Sterilized in the name of public health. American Journal of Public Health. (2005).
THE GLOBAL COALITION ON WOMEN AND AIDS. ICW in Focus: Forced sterilization of women living with HIV must stop now. 12 de maio de 2014. Disponível em: http://www.womenandaids.net/news-and-media-centre/latest-news/in-focu. aspx. Acesso em: 08 de outubro de 2014.
UNFPA. FUNDO DAS NAÇÕES UNIDAS PARA A POPULAÇÃO. Saúde sexual e saúde reprodutiva das mulheres adultas, adolescentes e jovens vivendo com HIV e AIDS: subsídios para gestores, profissionais de saúde e ativistas, Brasília, 2008.
VENTURA, Mirian. Direitos Reprodutivos no Brasil. 3. Ed. Brasília, UNFPA, 2010.
WERNECK, Jurema. O Belo ou o Puro? : Racismo, eugenia e novas (bio)tecnologias. In: Rotania, A. A & Werneck, J. (Org). Sob o Signo das Bios: vozes críticas da sociedade civil. Vol. 1. R.J.: E-papers Serviços Editoriais, 2004.
Continue a leitura.Patrícia Figueiredo – Pública- Agência de Jornalismo Investigativo – A Agência Pública é uma organização sem fins lucrativos. Todos os nossos textos podem ser republicados gratuitamente, desde que não sejam cortados ou editados. Saiba mais aqui: https://apublica.org/republique/. Quer ser um publicador?…
Este artigo foi publicado em: https://apublica.org/2019/02/mulheres-vitimas-de-a…
Fonte: Agência Pública
As mulheres brasileiras adultas que registraram episódios de violência nos serviços de saúde públicos têm chance 151,5 vezes maior de morrer por homicídio ou suicídio em comparação com a população feminina geral. Os homicídios e suicídios correspondem a 83% das mortes por causas externas em mulheres vítimas de agressões anteriores.
No caso de idosas e crianças que sofreram violência prévia, a mortalidade por causas violentas aumenta ainda mais: mulheres com mais de 60 anos têm chances 311,4 vezes maiores enquanto meninas com menos de 9 anos têm 256,1 vezes a mortalidade média de outras meninas na mesma faixa etária. Os dados foram compilados pelo Ministério da Saúde e serão publicados em março no livro Saúde Brasil 2018.
Considerando apenas as mulheres adultas, a taxa média anual de mortalidade por causas externas foi de 1.170 por 100 mil. Isso significa que, em média, uma em cada 100 mulheres adultas que deram entrada em hospitais ou postos de saúde públicos por conta de agressões morreu por ano no período.
A coordenadora do estudo, Maria de Fátima Marinho, diretora do Departamento de Vigilância de Doenças e Agravos não Transmissíveis e Promoção da Saúde (DANTPS), acredita que uma análise de dados mais recentes deve revelar uma situação ainda mais grave. “Desde 2018 estamos identificando um aumento significativo da violência contra mulher, incluindo meninas menores de 10 anos e adolescentes”, explica. “A situação está preocupante, parece que a violência de gênero e agressão sexual contra mulheres e crianças estão liberadas.”
O ministério ainda não possui uma comparação entre notificações de violência e óbitos de mulheres para os anos de 2017 e 2018. No entanto, dados preliminares de 2017 mostram que, naquele ano, as notificações aumentaram 30% em relação a 2016.
O aumento foi maior entre crianças de até 9 anos e adolescentes entre 10 e 19 anos. Entre crianças as notificações cresceram 32% e entre adolescentes, 37%, na comparação de 2017 com o ano anterior. Já os atos praticados contra mulheres adultas e idosas subiram 28% e 29%, respectivamente.
Em média foram registradas 630 notificações de violência contra mulheres por dia no Sistema Único de Saúde (SUS) em 2017. As notificações englobam apenas violências intencionais praticadas por terceiros ou pela própria vítima, o que inclui tentativas de suicídio ou automutilação.
Como o Ministério da Saúde obteve os dados
Agressão contra mulher registrada no SUS nem sempre vira denúncia
O objetivo da análise do Ministério da Saúde era comparar a taxa média anual de óbito por causas externas entre mulheres com e sem notificação de violência nos serviços de saúde brasileiros. Para isso, foram usados dados do Sistema de Informações sobre Mortalidade (SIM), onde são registradas todas as declarações de óbito, e do Sistema de Informação de Agravos de Notificação (Sinan), utilizado pelo Sistema Único de Saúde (SUS) para notificar a condição de pacientes vítimas de violência de diversos tipos. O grupo de analistas fez um cruzamento desses dois sistemas para identificar as mulheres, em todas as faixas etárias, que tiveram notificação de violência prévia e foram a óbito por causas externas no período de 2011 a 2016.
Vale destacar que as notificações registradas no Sinan não pressupõem que a vítima fez denúncia da agressão às autoridades policiais. A notificação de violência é um registro feito por um médico ou funcionário da unidade de saúde no sistema e não corresponde a uma denúncia. Trata-se de um instrumento que também permite a apuração de dados confiáveis sobre as doenças e agravos registrados pelos serviços públicos.
A notificação no Sinan é obrigatória em todos os casos em que há suspeita ou confirmação de violência doméstica ou intrafamiliar, sexual, autoprovocada, tráfico de pessoas, trabalho escravo, trabalho infantil, tortura, intervenção legal e violências homofóbicas praticadas contra mulheres e homens em todas as faixas etárias. No caso de violência extrafamiliar e comunitária, ou seja, aquela que ocorre fora do ambiente doméstico, apenas as praticadas contra crianças, adolescentes, mulheres, pessoas idosas, pessoa com deficiência, indígenas e população LGBT são de notificação compulsória.
De acordo com as diretrizes do ministério, as unidades de atendimento de saúde não são obrigadas a encaminhar os pacientes alvo de notificações aos serviços de atenção psicossocial ou orientação para a vítima procurar a Delegacia de Mulheres de sua região.
O encaminhamento do caso ao Conselho Tutelar ou Ministério Público é obrigatório quando a violência é praticada contra crianças e adolescentes; no caso de agressões contra pessoas idosas, o encaminhamento ao Conselho Municipal do Idoso ou Ministério Público também é compulsório. Em agressões contra pessoas com deficiência, a lei determina que sejam comunicados o Conselho dos Direitos das Pessoas Deficientes e o Ministério Público e que a autoridade policial local seja acionada.
Já no caso de mulheres adultas que estejam vivenciando situações de violência e que não sejam nem idosas nem deficientes, as equipes de saúde são orientadas a informar sobre a existência de serviços da rede de proteção social e sobre a importância da denúncia, mas não devem encaminhar o caso sem autorização explícita.
Óbitos poderiam ser evitados com medidas contra a violência de gênero
Como o número de mulheres que segue as orientações e formaliza a denúncia é muito inferior à quantidade de ocorrências, os dados das polícias resultam subnotificados. Assim, os números das notificações nos serviços de saúde são mais utilizados por pesquisadores para analisar o cenário de violência contra a mulher no Brasil. O número real de mulheres vítimas de agressão que depois morreram por causas violentas pode ser ainda maior já que as estatísticas do Sinan excluem as vítimas que não se dirigem aos serviços de saúde e também as que procuram atendimento médico na rede particular.
O Ministério da Saúde utiliza dados identificados, ou seja, que permitem ao pesquisador verificar o nome e outras informações pessoais das vítimas. Isso possibilita que sejam feitos cruzamentos de informações inéditas. Para preservar a privacidade das pacientes, esses dados não são fornecidos a outras entidades de pesquisa. Assim, somente o próprio ministério pode fazer comparações como essa – cruzando os dados de mulheres vítimas de agressões com os de mulheres que foram a óbito.
Os resultados obtidos nessa análise mostram que a notificação no setor de saúde deve ser entendida como um sinal de alerta para a ocorrência de óbitos que podem ser evitados. Uma das conclusões da análise é que são necessárias medidas e políticas públicas mais eficazes. “O enfrentamento da violência contra as mulheres impõe o fortalecimento de estratégias de vigilância, acolhimento e atenção pelos serviços de saúde, articuladas intersetorialmente dentro da rede de proteção e responsabilização”, atesta o documento do Ministério da Saúde.
Para Maria Fernanda Terra, professora de saúde coletiva na Faculdade de Ciências Médicas da Santa Casa de São Paulo, o relatório demonstra que é necessário repensar o que é feito a partir das notificações de violência. “Trata-se de um dado importante porque ele ajuda as instituições a elaborar políticas públicas e identificar os problemas. Mas o que está sendo feito com esse dado? Como ele está sendo usado? Qual o processo de cuidado que está sendo oferecido a essas mulheres nas unidades de saúde?”, questiona Maria Fernanda. “As mulheres muitas vezes ainda não sabem que a unidade de saúde também é um local em que elas podem pedir ajuda.”
Segundo a professora da Santa Casa, os dados do Ministério da Saúde comprovam que a violência de gênero precisa ser combatida com ações multissetoriais. A raiz do problema está na desigualdade entre homens e mulheres, que, para a pesquisadora, precisa ser questionada não apenas com políticas de saúde pública, mas também no âmbito educacional e pelas autoridades policiais. “A gente vive em uma sociedade que culpa as mulheres por viver uma situação de violência. As mulheres, de todas as faixas etárias, são mais desacreditadas”, explica.
Violência parte de pessoas conhecidas e acontece no ambiente doméstico
O estudo do Ministério da Saúde traz ainda detalhes sobre as agressões sofridas pelas mulheres que depois faleceram por causas externas. As informações são extraídas das fichas de notificação do Sinan, preenchidas pelos médicos que atenderam essas pacientes após o episódio de violência. A agressão física prevaleceu em todas as faixas etárias, com 62% do total. Já a negligência foi mais comum entre crianças (32% dos casos) e idosas (16% dos casos). A residência das vítimas foi o principal local de ocorrência da violência para todas as idades e corresponde a 71% dos registros.
Dentre os meios de agressão mais utilizados destacou-se a força corporal, presente em 19% das ocorrências, seguida pelo uso da arma de fogo, relatado em 16% dos casos. A arma de fogo foi mais utilizada contra mulheres mais novas, usada contra 21% das jovens (de 20 a 29 anos) e 25% das adolescentes (de 10 a 19 anos). O enforcamento (sufocação), terceiro meio de agressão mais comum, prevaleceu entre as mulheres idosas: 20% das mulheres com mais de 60 anos foram vítimas desse tipo de ataque.
As características dos prováveis agressores mostram ainda que 45% de todas as violências foram praticadas por pessoas conhecidas, entre familiares, parceiros íntimos ou amigos. Apenas 11% das agressões contra mulheres que depois morreram por causas violentas foram perpetradas por desconhecidos.
Idosas, crianças e habitantes de cidades pequenas são grupos vulneráveis
Em 39% dos casos a agressão partiu da própria vítima, ou seja, foi autoprovocada. A proporção é ainda maior entre mulheres adultas e idosas: corresponde a 47% dos casos na faixa entre 30 e 59 anos e 49% no grupo com mais de 60 anos. Para os pesquisadores, essa característica revela maior vulnerabilidade das mulheres desse grupo. Esse registro, no entanto, pode esconder agressões feitas por terceiros que são relatadas aos médicos como autoprovocadas.
“É muito difícil para o profissional de saúde determinar exatamente a origem da violência. Muitas mulheres podem falar em lesão autoprovocada quando ela foi feita por uma pessoa próxima e querida”, explica Maria Fernanda Terra. “Nesses casos, por conta da vergonha, é mais difícil para a vítima falar quem foi o responsável, então ela se culpabiliza pela própria violência por conta do medo e da proximidade.”
Segundo os autores do estudo, automutilações ou ferimentos decorrentes de tentativa de suicídio também podem ser consequência de exposição anterior à situações de violência, especialmente a sexual. “Cabe destacar que a violência crônica tem sido considerada um fator de risco para lesão autoprovocada, que por sua vez é considerada fator de risco para suicídio. Esses eventos também podem ser consequência da exposição a situações de violências, especialmente a sexual”, atesta o relatório. Segundo a Organização Mundial da Saúde (OMS), pesquisas recentes feitas na América Latina e Caribe constataram que um grande percentual de mulheres vítimas do parceiro íntimo foi diagnosticado com ansiedade ou depressão e teve maior probabilidade de cogitar ou tentar suicídio.
No caso das crianças, 73% dos agressores eram pessoas que pertencem ao círculo familiar. O dado preocupa porque em muitos casos os próprios agressores são as pessoas responsáveis pelo cuidado e proteção das crianças. Entre 2011 e 2016, 295 crianças morreram por causas violentas depois de já terem passado por unidades de saúde por conta de episódios de agressão ou negligência. Essa situação dificulta a visibilidade do problema, o acesso aos serviços de saúde e, principalmente, o fim das agressões.
“Crianças são sempre o grupo mais vulnerável porque elas muitas vezes não têm a percepção clara do que é certo e errado”, explica Maria Fernanda. “Vivemos em uma sociedade que desacredita a criança, então a tendência é ela esconder e sofrer com aquilo.”
A raça e a escolaridade das vítimas também são características que apontam para a existência de outros grupos de maior vulnerabilidade. Mais de 50% das adolescentes e jovens com notificação prévia de violência e óbito por causas externas eram mulheres negras ou pardas. O relatório destaca que nesse grupo pode haver um acúmulo de desigualdades relacionadas à estrutura socioeconômica, que limita o acesso a condições de proteção social adequadas. Com relação à escolaridade, 38% de todas as mulheres vítimas de violência e que morreram por causas externas possuem apenas o ensino fundamental completo.
Outro indicador de vulnerabilidade verificado na pesquisa foi o tamanho do município da vítima. Mais de um terço dos municípios de residência das mulheres adolescentes, jovens, adultas e idosas que sofreram violência possuía até 50 mil habitantes. “Nos municípios menores é provável que o medo, a vergonha e a falta de serviços de atendimento adequados façam com que o risco da mulher seja muito maior”, avalia Maria Fernanda.
Segundo ela, em municípios maiores, a mulher pode optar por procurar ajuda longe de sua residência e escapar dos olhares de conhecidos ou familiares, o que a faz sentir-se menos fragilizada. “Esses marcadores, somados a uma rede fragilizada de apoio à mulher, aumentam a vulnerabilidade das habitantes dessas cidades”, explica a pesquisadora.
Porcentagem de mortes de mulheres por população dos municípios
Registros cresceram proporcionalmente mais entre crianças e adolescentes em 2017
Além dos dados que cruzam os registros de violência e os óbitos de mulheres, o Ministério da Saúde compila todas as notificações de violência contra a mulher registradas pelo Sinan. Os dados preliminares de 2017 mostram que a quantidade de registros cresceu 30% em relação a 2016, com incremento maior entre crianças e adolescentes. Foram mais de 230 mil notificações no Sinan apenas em 2017, o que equivale a mais de 630 casos por dia.
Crescimento de notificações de violência contra mulheres
“A tendência da curva muda em 2017, quando o aumento em relação ao ano anterior fica mais acentuado”, destaca Maria de Fátima Marinho, responsável pelo DANTPS no Ministério da Saúde. “O dado de 2018 deve confirmar essa mudança de patamar.”
O perfil das agressões registradas em 2017 é muito similar ao das agressões perpetradas entre 2011 e 2016 contra mulheres que depois morreram por causas violentas. A maior parte (63%) também ocorreu no ambiente doméstico e o principal meio utilizado também foi a força corporal, registrada em 47% dos casos.
Continue a leitura.Laura Mury (*)
Segundo mostra do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), a última Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios – PNAD informa que no Brasil existe 4,8 milhões de mulheres a mais que homens, num total de 108,7 milhões de mulheres. Desse total, o mesmo estudo informa que 11 milhões dessas mulheres são denominadas “Mães Solo”. Numa comparação bem próxima, podemos pensar que esse número é quase o mesmo da quarta cidade mais populosa do mundo, São Paulo.
Entendem-se como Mãe Solo as mulheres que arcam sozinhas as responsabilidades da criação dos seus filhos e filhas no âmbito afetivo e financeiro. Apesar do termo já estar inserido na Academia Brasileira de Letras, essas mães, como proteção legal, só existe um Projeto de Lei (PL 3717/2021), de Eduardo Braga (MDB-AM), que determina prioridade para o atendimento às mães solo em diversas políticas sociais e econômicas. A PL foi aprovada em março de 2022 pelo senado e seguiu para a Câmara dos Deputados. Caso seja sancionada, as mulheres poderão ser beneficiadas com atendimento prioritário, cotas mínimas e subsídios, entre outras medidas.
No entanto, valem algumas reflexões sérias quanto à questão, pois mesmo mulheres que não permanecem em uma família monoparental, muitas delas vêm sustentando seus próprios maridos ou companheiros sendo que, devido à pandemia pelo Covid 19, estamos com um número alarmante de desempregados. As Mães Solo assumem assim para si uma carga exacerbada de trabalho afetando gravemente as suas vidas impedindo-as de realizarem grandes ou pequenos sonhos, de se dedicarem mais a si mesmas entre tantas outras ambições que ficam sempre colocadas para outra oportunidade. Essa realidade familiar está cada vez mais presente também nos casos das separações ou abandono pelos seus parceiros.
Mesmo com os avanços da sociedade quanto a aceitação da diversidade familiar, a Mãe Solo ainda é tratada com discriminação e comumente chamadas de mães solteiras. Outro ponto de difícil enfrentamento se encontra quando buscam responsabilizar o pai dos seus filhos para a divisão das tarefas educativas, financeiras e afetivas, quando é notória a imposição social da função da mãe como seu principal dever dos cuidados para com seus filhos e filhas.
Existem mães solo que, com boas condições financeiras, assumem este papel por deliberação própria e apesar de não deixarem de passar por situações difíceis, passam mais confortavelmente pelas circunstâncias. No entanto, as mais pobres, com baixos salários, acabam assumindo com enormes dificuldades todos os encargos dos seus filhos e filhas, deixando-os sem a devida proteção familiar e social, enquanto precisam trabalhar arduamente, dando oportunidade para que toda a situação familiar seja replicada por gerações. Fato é que taxa de gestantes com menos de 17 anos no Brasil é de 57%, um pouco menos como em países da África Subsaariana, onde passa dos 60%. Esses dados estão em um relatório do Fundo de População das Nações Unidas (Unfpa)- (Agência Brasil 7/2022).
Segundo o IBGE, as famílias comandadas por mulheres, 56,9% vivem abaixo da linha da pobreza. A pesquisa “Retrato das Desigualdades de Gênero e Raça” realizada em 2017 pelo Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea), em 2015, 83,5% das crianças brasileiras com menos de 4 anos tinham como primeira responsável uma mulher, seja mãe biológica, de criação ou madrasta. Da mesma forma, segundo dados do Conselho Nacional de Justiça (CNJ), com base no Censo Escolar de 2011, ainda há 5,5 milhões de crianças brasileiras sem registro paterno na certidão de nascimento.
Estamos falando em dados estatísticos que, infelizmente, acabam esquecidos logo após o conhecimento deles pelas pessoas. Na verdade, precisamos nos chocar com o drama dos Direitos diferenciados entre mulheres e homens em nosso país; do machismo ainda embutido em toda a sociedade; do preconceito e do descaso para com a vida das mulheres, seus filhos e filhas.
É preciso pensar que estamos refletindo sobre nós mesmas, nossas filhas, netas e todas as mulheres das próximas gerações que estão sujeitas a viverem dentro dessa mesma estrutura de desigualdade entre os gêneros.
“Não existe mãe solteira, porque mãe não é um estado civil” – Papa Francisco
Laura Mury – Mãe de quatro filhos, avó, professora, gestora em Direitos Humanos, fundadora e coordenadora geral do Tecle Mulher.
Continue a leitura.Sandra Costa Siaines de Castro – Cientista Social e Advogada Coordenadora executiva da Osc Tecle Mulher
Crimes cibernéticos crescem substancialmente, segundo dados que se extrai dos registros da Central Nacional de Denúncias de Crimes Cibernéticos. São evidências de crimes contra os direitos humanos, como pedofilia, estupro, pornografia infantil, que caracterizam crimes de violação sexual, e outros.
Em tempos de pandemia pelo coronavírus, crianças e adolescentes vivenciam uma realidade totalmente diferente de alguns meses atrás. Com escolas fechadas e as aulas escolares via internet, o uso de plataformas online por meninos e meninas cresceu. Ao lado de abrir oportunidade para a educação, entretenimento e comunicação, o uso indevido da internet aumentou os chamados crimes cibernéticos.
Um levantamento da Europol (agência de inteligência da Europa), divulgado no dia 3 de abril, indica um aumento e destaca que entre 17 e 24 de março foi registrada uma alta de 25% no número de conexões para download de material impróprio na Espanha, uma tendência que também foi observada em outros países europeus.
No Brasil, não é diferente. O cenário merece uma atenção por parte de toda a sociedade. A Safernet Brasil (associasão civil que atua na promoção e defesa dos direitos humanos na Internet) registrou um aumento de 108% nas denúncias de pornografia infantil durante a pandemia no País. Em abril de 2020, foram 9.995 denúncias. E, vale ressaltar, para um tipo de crime.
No ambiente online existe também uma preocupação com o consumo de pornografia, o que pode levar a uma reproduçãoo da violência de gênero. Constata-se a valorização de práticas sexuais violentas, inclusive entre adolescentes. O avanço das tecnologias trouxe também novos modos de atuação, como o aliciamento sexual, cyberbullying, revanche sexual e até transmissão ao vivo de abuso sexual de crianças e adolescentes.
A Constituição Federal de 1988, no seu artigo 227, contempla o princípio da prioridade absoluta à garantia de direitos fundamentais à criança e ao adolescente. Crianças e adolescentes, sujeitos de direitos, devem ser colocados a salvo de toda a forma de negligência, de discriminação, exploração, violência, crueldade e opressão.
Tais direitos devem ser assegurados pela família, pela comunidade, pela sociedade e pelo Poder Público, devendo todos contribuir com sua parcela para o desenvolvimento e proteção integral da criança e do jovem.
Na esteira da Constituição de 1988, o Estatuto da Criança e do Adolescente-ECA, Lei 8.069/1990, em seu artigo 2º traz a conceituação dos termos sobre criança e adolescente: Considera-se criança, para os efeitos desta Lei, a pessoa até doze anos de idade incompletos, e adolescentes aquela entre doze e dezoito anos de idade.
Visando a proteção integral, o ECA dispõe, no seu título VII, Capítulo I, sobre os crimes praticados contra crianças e adolescentes, assim considerados aqueles praticados não só por ação direta, mas também por omissão. Nesse rol também encontram-se tipificados os crimes cibernéticos, que devem ser interpretados e punidos com apoio no princípio constitucional da proteção integral das crianças e adolescentes.
A Lei nº 12.737/2012, conhecida como Lei Carolina Dieckmann, promoveu alterações no Código Penal brasileiro, tipificando os chamados delitos ou crimes informáticos, fortalecendo aqueles elencados pelo ECA,trazendo, por conseguinte,maior efetividade a realização da justiça.
Em Nova Friburgo, município serrano do estado do Rio de Janeiro, a organização da sociedade civil TECLE MULHER- Assessoria e Pesquisa no âmbito dos Direitos da Mulher, observou que durante a pandemia houve um substancial incremento nas denúncias que recebe e nos casos que atende, de violência contra mulheres e meninas, conforme registros dos primeiros meses deste ano de 2020.
O conteúdo dessas denúncias aponta para a necessidade urgente de ampla divulgação dos crimes cibernéticos e de formas para enfrentá-los, bem como de campanhas de esclarecimento a pais de crianças e adolescentes, e para jovens de todas as idades, com envolvimento da comunidade escolar.
REFERÊNCIAS:
BRASIL. Constituição(1988). Disponível em:
http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/constituicaocompilado.htm. Acessado em 03/06/2020
BRASIL. Lei n.8.069, de 13 de julho de 1990. DisponÃvel em:
http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/l8069.htm. Acessado em 03/06/2020
BRASIL. Lei n.12.737, de 30 de novembro de 2020. DisponÃvel em:
http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2011-2014/2012/lei/l12737.htm. Acessado em 03/06/2020
CASTRO, S. C. S; TEIXEIRA, J. Aspectos gerais da tutela jurisdicional diferenciada para infância e juventude. In: PIZÁ, G e BARBOSA. G (Orgs). A violência silenciosa do incesto. São Paulo: Imprensa Oficial, 2004. pp. 163-167.
SAFERNET. Página institucional. DisponÃvel em: https://new.safernet.org.br/. Acessado em 03/06/2020
Adriana Mello – Adriana Mello é juíza e membro da Comissão Especial de Segurança da Mulher do Conselho Estadual dos Direitos da Mulher
A igualdade de gênero deve ser prioridade para os governantes
Segundo a Organização Mundial da Saúde, estima-se que 35% das mulheres em todo o mundo já tenham sofrido qualquer violência física e/ou sexual praticada por parceiro íntimo ou violência sexual por um não parceiro em algum momento da vida. O custo da violência contra o gênero feminino pode chegar a 2% do PIB mundial, o que equivale a US $1,5 trilhão, aproximadamente a economia do Canadá, de acordo com a ONU.
A Lei Maria da Penha, que visa a coibir a violência doméstica e familiar contra a mulher, entrou em vigor em 2006 e representou um divisor de águas no Brasil. A questão nunca teve antes na história do país tanta visibilidade nos meios de comunicação e jurídico. Vários centros de referência de atenção às mulheres em situação de violência foram criados; delegacias, defensorias públicas e promotorias especializadas, juizados de violência doméstica e familiar e casas-abrigo se espalharam por todo o país. Muitas, pela primeira vez, tiveram o direito de acesso à Justiça respeitado e garantido, mesmo após a Constituição de 1988, que completou este mês 29 anos.
No entanto, apesar do progresso alcançado, não podemos afirmar que estamos livre da discriminação de gênero e dos profundos impactos econômicos e sociais que ela gera. No Brasil, segundo pesquisas recentes, a cada cinco minutos uma mulher é agredida, e a cada uma hora e meia uma é assassinada.
Atualmente, observamos com tristeza organismos de políticas públicas sendo extintos e centros de referência de atendimento encerrarem suas atividades. A política pública de atendimento à mulher precisa ser fortalecida. A igualdade de gênero deve ser colocada como prioridade pelos governantes. Somos mais da metade da população no Brasil e estamos sendo excluídas das principais políticas públicas.
As mulheres devem ter os seus direitos à vida, à habitação, à alimentação, à saúde, à educação, ao esporte, à cultura, ao lazer, ao trabalho, à cidadania, à liberdade, à dignidade, ao respeito, ao acesso à justiça e à segurança pública garantidos pelos governos em todas as esferas.
Segundo Nadine Gasman, representante da ONU Mulheres, investir na prevenção e na erradicação da violência contra as mulheres e meninas é muito menos custoso do que tem nos custado a falta de ação. A prevenção precoce da violência doméstica e familiar custa imensamente menos do que a intervenção em estágios avançados de crise. Vários estudos apontam que tal investimento poupará recursos consideráveis no futuro. Mas não é o que está acontecendo hoje no país, quando estamos observando que toda a política pública de combate à violência está agonizando sem recursos e com a falta de previsão orçamentária.
No Rio de Janeiro, não podemos aceitar que toda a política pública alcançada com a luta dos movimentos feministas, como a Lei Maria da Penha, se esvai. Resistiremos até o fim para que alcancemos a igualdade de gênero, ainda que demore. Desistir jamais!
Leia mais: https://oglobo.globo.com/opiniao/para-evitar-retro…
(*) Adriana Mello é juíza e membro da Comissão Especial de Segurança da Mulher do Conselho Estadual dos Direitos da Mulher
Continue a leitura.Liz de Oliveira Motta Ferraz – Ativista feminista e dos direitos humanos das mulheres. Historiadora. Especialista em Gênero, Desenvolvimento Regional e Políticas Públicas (UFBA). A aluna do Mestrado em Educação e Contemporaneidade é “ UNEB”. Pesquisadora sobre violência…
Estão nos matando. Esta é a conclusão óbvia. Estão matando as mulheres e pouco ou quase nada se tem feito para impedir.
Como em um progressivo massacre, as mulheres vêm sendo eliminadas por todo o Brasil. E isso não é de hoje. Historicamente muitas sucumbiram pelas mãos dos (ex) companheiros A pretexto de vingança, defesa da honra ou simplesmente porque lhes negaram sexo ou mencionaram a separação.
Vivemos em uma sociedade androcêntrica que é dividida sexualmente. E o machismo é filho dileto do androcentrismo é possui uma característica que lhe dá o ônus da dominação: a intolerância a qualquer coisa que ameace sua suposta supremacia. Diante do perigo tudo é possível e viável. Desde encarcerar até matar e desmembrar a parceira a fim de se manter como o ser superior da relação e na sociedade.
Embora possa parecer um exagero utilizar o termo massacre, as informações que se apresentam demonstram o quanto é factível nomear desta forma a sucessão de femicídios pelo Brasil afora.A última pesquisa realizada pelo Instituto Sangari, com base nos dados do Sistema único de Saúde, denominada Mapa da Violência no Brasil 2010 demonstra que entre 1997 e 2007, 41.532 mulheres foram assassinadas no Brasil; trocando em meados, em média 10 mulheres foram assassinadas por dia ou ainda, 4,2 assassinadas por 100.000 habitantes. Este indicador demonstra que o Brasil está acima do padrão internacional e que as políticas públicas implementadas pouco têm surtido o objetivo a que se propuseram: eliminar e punir a violência contra a mulher.
Os últimos casos que ganharam a atenção das midias, o assassinato de Márcia Nakashima e o desaparecimento e a suposta, e quase certa, morte de Eliza Samudio nos impele a refletir sobre a impunidade. Impunidade no sentido técnico e também subjetivo. Matar no Brasil se tornou banal e de uma facilidade vergonhosa. Fácil não no mbito moral ou Ético e pois essas questões me parecem, já foram devidamente suplantadas, mas na perspectiva da dinâmica jurídica que traz inúmeras brechas para justificar o injustificável é este sendo o sentido técnico da impunidade. Por outro lado, a percepção da sociedade de que a punição para os acusados destes dois casos será insuficiente ou mesmo que não se concretizará, reforça o sentido subjetivo da impunidade.
Seres humanos estão morrendo, mulheres assassinadas, cruelmente assassinadas. Recebi há poucos dias um email contendo fotos do corpo de Márcia ao ser retirado do lago onde foi encontrado. As imagens devem ter vazado da polícia de Guarulhos e chegado ao universo virtual e infelizmente não eram montagens. Não vale a pena descrever aqui o estado do cadáver após vários dias sob a água, nem imaginar o que o pai e o irmão sentiram ao ver Márcia naquelas condições; antes devemos pensar o que leva um homem a arbitrar o direito de vida ou morte de uma mulher pelo simples fato deste se achar superior a esta. Pensemos ainda o porquê de um homem manter uma mulher encarcerada contra sua vontade e matá-la com requintes de crueldade.
Casos como os de Eliza e Márcia proliferam diariamente. Alguns são expostos nos telejornais e outros são invisíveis aos olhos da população, mas o fantasma da impunidade paira sobre todos demonstrando o quanto estamos amarrados às regras machistas nas relações de gênero. Esta assertiva é facilmente comprovada quando ouvimos ou proferimos as opiniões que justificam as ações criminosas: No caso Márcia Nakashima é Como ela não sabia que ele era violento? Por que se envolveu? Ela deveria ter mudado de cidade quando terminou o relacionamento. Uma moça bonita nunca deve se envolver com um cara feio desse, só acaba em tragédia. No caso Eliza Samudio é uma boa bisca. Quis dar o golpe da pensão e se deu mal. Ela era uma vagabunda, se envolvia com jogadores para ter vida boa. É nisso que dá não querer trabalhar e ganhar dinheiro fácil e, a pérola das pérolas, Ela era atriz porno, só podia dar nisso.
Em meio aos comentários machistas percebemos ainda uma polícia despreparada ao lidar com os holofotes. Embora estejam aptos em solucionar os casos, o clima de tensão e vaidade entre os agentes policiais é evidente, o que dá munição para os intrépidos advogados de defesa encontrarem mais brechas para justificar o injustificável.
Após 52 anos da Declaração dos Direitos Humanos, as mulheres ainda são agredidas e assassinadas às margens deste documento. Temos uma Lei Maria da Penha que não engata, não toma fôlego e não cresce porque os sistemas jurídico e policial não conseguem dar conta da demanda crescente. Não temos policiais suficientes para vigiar a execução e cumprimento das Medidas Protetivas, inúmeros juízes/as não aplicam a LMP nos casos de violência contra a mulher e a falta de DEAMs e serviços dedicados às mulheres na maioria dos municípios brasileiros agrava esse cenário que, infelizmente, É o retrato da situação de insegurança e violência que muitas mulheres vivem diariamente.
Não desmerece a Lei 11.340/06, que completará quatro anos em 7 de agosto próximo; ao contrário, acredito firmemente que a Lei foi um avanço significativo na defesa das mulheres vítimas de violência visto que, além de penalizar, prevê políticas públicas e serviços. A grande preocupação é que são muitas agredidas, ameaçadas, humilhadas e assassinadas, para poucos serviços e profissionais capacitados para lidar com o fenômeno da violência de gênero.
Estamos perdendo Elizas e Márcias todos os dias para o machismo e a impunidade e muitos acreditam que as vítimas cavaram suas próprias sepulturas por conta dos seus atos. Isso me faz lembrar o conceito de dominação segundo Bourdieu:
A força da ordem masculina pode ser aferida pelo fato de que ela não precisa de justificação: a visão androcêntrica se impõe como neutra e não tem necessidade de se enunciar, visando sua legitimação. A ordem social funciona como uma imensa máquina simbólica, tendendo a ratificar a dominação masculina na qual se funda: É a divisão social do trabalho, distribuição muito restrita das atividades atribuídas a cada um dos dois sexos, de seu lugar, seu momento, seus instrumentos…[2]
Ou seja, julgamos as vítimas e justificamos os agressores sem nem percebermos. A dinâmica social androcêntrica impõe o poder masculino rotineiramente e as regras criadas neste bojo tornam-se senso comum e natural a tal ponto que as violências de gênero nem sempre são reconhecidas como tal. Mais fácil e cômodo é encontrar atenuantes ou desvios dos crimes. Lembro-me do assassinato de Eloá Pimentel que, em um dado momento após o crime, a imprensa passou a dar atenção total ao fato do pai da garota ser um matador de aluguel. Por pouco o caso Eloá não se transformaria no Caso Pai de Eloá. Assim também quase aconteceu com o caso Eliza Samudio quando os noticiários passaram a divulgar que o pai dela fora acusado de molestar um menor. Talvez seja mais fácil e cômodo para a sociedade desviar a atenção dos crimes de gênero para outros crimes paralelos que não ameacem a ordem natural das coisas.
(*) Ativista feminista e dos direitos humanos das mulheres. Historiadora. Especialista em Gênero, Desenvolvimento Regional e Políticas Públicas (UFBA). A aluna do Mestrado em Educação e Contemporaneidade é da UNEB. Pesquisadora sobre violência doméstica e de gênero. Participante da Marcha das Vadias – SSA/Ba. Co- Fundadora e colaboradora do Tecle Mulher. lizmotta@hotmail.com
Continue a leitura.Por Bruna Ramos – Portal EBC Fonte:TEDx Talks
“O verdadeiro caráter de uma sociedade é revelado pela forma com que ela trata suas crianças.” A frase, de Nelson Mandela, foi escolhida pelo médico pediatra Daniel Becker para introduzir uma lista onde ele aponta os sete pecados capitais cometidos contra a infância.
Confira também linha do tempo sobre a história dos direitos da infância e adolescência
Daniel falou sobre o assunto no evento TEDx Laçador, realizado em Porto Alegre, em junho. Segundo o palestrante, as crianças brasileiras vêm sendo muito maltratadas pela sociedade. “Além de o país não oferecer boas condições de saúde, moradia, educação e segurança, os pais e cuidadores das crianças têm cometido pecados ao longo de sua criação”, afirma.
O médico enumera:
1 – Privação do nascimento natural e do aleitamento materno
“A cultura da cesárea faz com que as mulheres acreditem que o parto normal deve ser a cesárea. Que o parto normal é nocivo, doloroso, perigoso. Isso gera diversos malefícios para as crianças.” “Da mesma forma acontece com o leite materno. A mulher quer amamentar sua filha, mas (muitas vezes) em dois meses esta criança está desmamada. Isso vem, em grande parte, por causa da indústria, que faz propaganda pelo nome que dá às suas fórmulas: “premium”, “supreme”, e a propaganda que ela faz com o médico.”
2 – Terceirização da infância
Por causa da falta de tempo dos pais, que têm que trabalhar para sustentar a família, as crianças estão sendo deixadas em creches ou com babás. “Perdemos o que é mais precioso na infância: o convívio com os filhos. Convívio é aquilo que nos dá a intimidade, a capacidade de estar junto, o amor, a sensação de estar cuidando de alguém, a sensação de conhecer profundamente alguém”.
3 – Intoxicação da infância
Também pela falta de tempo, é mais acessível trocar a comida tradicional brasileira por uma alimentação rica em gordura, sal e açúcar, que vem da comida congelada e industrializada. “Obesidade e diabetes estão explodindo na infância”.
4 – Confinamento e distração permanente
As crianças passam até oito horas por dia conectadas em aparelhos eletrônicos. Esse confinamento impede que elas tenham um momento de consciência, de vazio, de tédio. “O tédio é fundamental na infância. Porque o tédio e o vazio são berço daquilo que é mais importante para nós, a criatividade e imaginação. Nós estamos amputando isso dos nossos filhos.”
5 – Mercantilização da Infância e Consumismo Infantil
Assistindo muita televisão durante o dia, as crianças são massacradas pela publicidade, por valores de consumismo. “E essa publicidade é covarde, explora a incapacidade da criança de distinguir fantasia de realidade, explora o amor dela por personagens e instiga nela valores como consumismo obscessivo, hipervalorização da aparência, a futilidade e coisas piores”.
6 – Adultização e erotização precoce
“Existe uma erotização que usa a criança de 7, 8 anos para vender produtos de moda, uma erotização baseada no machismo, na objetificação das meninas e das mulheres, na valorização excessiva da aparência.”
7 – Entronização e superproteção da infância
Para compensar a ausência, muitos pais tornam-se permissivos e acabam perdendo a autoridade sobre seus filhos. Mas a criança precisa de gente que conduza a vida dela. “A gente sabe que a importância dos limites do não são formas fundamentais de amor. A gente precisa dar para os nossos filhos, mas a gente tá perdendo a capacidade. Em vez disso, a gente se interpõe entre as experiências dos filhos e do mundo fazendo justamente que eles não tenham experiência da vida e portanto não desenvolvam mecanismos de lidar com a frustração, com a dor e com a dificuldade. E certamente o mundo vai entregar para eles mais tarde.”
Como forma de enfrentar estes pecados, Daniel propõe uma solução que passa por mudanças em apenas dois fatores: tempo e espaço. No caso do tempo, o médico sugere que os pais estejam presentes na vida do filho em pelo menos 10% do tempo em que estão acordados. Em uma conta geral, isso representa 1h40 por dia de dedicação aos filhos. Em relação ao espaço, a orientação é estar perto da natureza. “O convívio com o espaço aberto vai afastar a gente das telas, vai reduzir o consumismo e o materialismo excessivos, vai promover o livre brincar (que, por sua vez, vai gerar inteligência, humor e criatividade), vai gerar convívio entre as famílias, vai promover o contato com o ar, o sol e o verde e vai reduzir todos os problemas da infância.”
Fonte indicada: EBC
(*) Portal EBC
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Liz de Oliveira Motta Ferraz – Ativista feminista e dos direitos humanos das mulheres. Historiadora. Especialista em Gênero, Desenvolvimento Regional e Políticas Públicas (UFBA). A aluna do Mestrado em Educação e Contemporaneidade é UNEB”. Pesquisadora sobre violência…
Segundo o Dicionário Houaiss da Língua Portuguesa, no sentido pejorativo, vadia É toda a mulher que, embora não se prostitua, leva uma vida amoral e devassa; ou seja, aquela que tem vários parceiros (um após o outro ou simultaneamente), transa sem compromisso, usa roupas provocantes para chamar atenção aos contornos voluptuosos do seu corpo é carro chefe para suas conquistas e não segue os padrões morais da sociedade.
Essas covardias são consideradas uma mancha na sacrossanta estabilidade moral das famílias, pois se revelam péssimos exemplos as suas filhas e uma tentação para os maridos mais assanhadinhos. Em um sistema patriarcal de um Estado que se jura laico, mas aceita todas as sanções da Igreja, as vadias são o expurgo e a válvula de escape dos falsos moralistas. Se engravidaram é porque queriam dar o golpe da barriga, se são bonitas são burras, se foram estupradas é porque pediram por terem um estilo de vida sem regras e convencer, tentando os homens esses pobres seres não dotados de controle sobre o sexo.
Estupro: O que é o estupro? Acredito que todas/os saibam que é um crime cometido pela prática não consensual em uma relação sexual é através de violência ou ameaça. Dito isso, as vadias nã são estupradas, apenas recebem o que pedem pelo seu comportamento: sexo. Esse axioma foi rompido a partir de 2011, quando o policial canadense Michael Sanguinetti deu um conselho infeliz As estudantes da Universidade de Toronto, que pediam mais proteção policial devido ao aumento de abusos sexuais no local: “as mulheres evitassem se vestirem como vadias (sluts, no inglês original), para não serem vítimas”.
A indignação foi geral, pois ficou claro e verbalizado que se eram estupradas era porque incitavam o estupro. As vítimas passam a ser culpadas de um crime violento e que deixa marcas no corpo, na alma e no psicológico da estuprada. Como ser responsável por um crime que não se cometeu? Apenas por ser mulher? Pelo simples fato de usar determinado tipo de roupa ou não? Por ser livre? Pelo fato do estuprador ter bebido além da conta e perdeu a noção? Ou por que abusou do pó? Não importa. O comentário de Sanguinetti traduziu o que a sociedade, historicamente, pensa de nós, mulheres: somos objetos, somos pedaços de carne, não somos nada. E sendo nada e incomodando tanto, tínhamos que fazer alguma coisa para mudar a ordem (?) das coisas. Nasce a Marcha das Vadias naquele país, em março, e rapidamente toma uma proporção internacional. É um movimento que leva mulheres e até homens às ruas, seminuas ou vestindo roupas cotidianas ou provocantes e exigindo o respeito. As vadias, como se autodenominam, lutam para que a sociedade não as julgue pelo comportamento ou vestimenta. Deixam claro que o criminoso é o estuprador e não a violentada. Se são estupradas é porque a sociedade assim permite ou se omite.
Apesar de já ocorrer em diversos países, inclusive em várias cidades brasileiras, a Marcha ainda é vista como uma afronta às feministas radicais na sociedade. O sentido político do termo Vadia não é vislumbrado pelo senso comum; ou seja, o termo vadia ainda tem uma conotação pejorativa e estereotipada. É preciso que nós mulheres, principalmente, tenhamos a consciência de que nosso corpo nos pertence e nosso comportamento não deve ser moldado pelo viés machista. Ser vadia, hoje, significa lutar contra a violência que nos aflige há séculos. Não podemos mais aceitar as piadas, as cantadas de baixo calão, o assédio sexual, os tapinhas na bunda, as músicas de duplo sentido e, finalmente, não podemos mais nos sentir culpadas por sermos estupradas.
No Brasil a Marcha das Vadias divide opiniões, pois grande parcela que a compõe faz parte de um grupo jovem que tem acesso à educação e à informação. O senso comum ainda está de fora. Entre as próprias feministas, a Marcha é motivo de dissensões. Questiona-se se o movimento é um novo feminismo ou mais uma vertente do feminismo ou que ainda nada tenha de ideológico, apenas objetiva chocar e, por isso, pode enfraquecer ou perder o que já foi conquistado pelo feminismo propedêutico. Em minha opinião, a princípio, não existe feminismo, e sim feminismos, e a Marcha é um dos feminismos que compõem essa grande luta pela igualdade dos gêneros. Sinto-me uma vadia e faço questão em divulgar esse movimento irreverente e que propõe uma análise mais subjetiva sobre os padrões estabelecidos pela sociedade.
A Marcha incomoda porque mexe com temas considerados tabus, sigilosos, sujos e pecaminosos: o corpo feminino, a sexualidade, o sexo, as taras sexuais e a arrogância masculina em acreditar que tudo que envolve o feminino lhes pertence.
Se esses desrespeitos e abusos lhe incomodam tanto quanto a mim, eu lhe questiono: você é uma vadia? Porque eu sou.
(*) Ativista feminista e dos direitos humanos das mulheres. Historiadora. Especialista em Gênero, Desenvolvimento Regional e Políticas Públicas (UFBA). A aluna do Mestrado em Educação e Contemporaneidade é da UNEB. Pesquisadora sobre violên
Continue a leitura.Maristela Pacheco Alves –
A violência contra a mulher tem ocupado cada vez mais espaço nos veículos jornalísticos e isto mostra a necessidade de ações urgentes para conscientizar e ajudar os casais, baseadas em análises mais profundas dessa questão. A desigualdade de poder, vista por toda parte, influencia fortemente os comportamentos individuais na nossa sociedade e se manifesta através de inúmeros jogos de poder nas relações. Destes jogos, o da vítima/vilão é o mais básico e facilmente incorporado pelas pessoas. As pessoas escolhem estes papéis, mesmo que inconscientemente, de acordo com as suas tendências e condicionamentos culturais. Assim, na relação afetiva, genericamente, a mulher é educada para o papel de mais passiva e tende a funcionar como vítima e o homem, treinado mais para a ação e para ser guerreiro, tem maior atração para o vilão. Na recente aceleração da evolução feminina, a mulher tem descoberto o seu poder de ação, especialmente para a sua sobrevivência e muitas vezes, para a auto-realização material e profissional. Contudo, no relacionamento-a-dois, a situação é bem diferente. A maioria evoluiu pouco no papel de parceira e, por não conseguir resolver os conflitos de poder que surgem, se submete, convivendo com a situação de desigualdade de poder e aceitando a hostilidade do seu companheiro. Como vítima, a mulher contribui para perpetuar o processo da hostilidade que, sem consequências para o vilão, cresce a cada dia. E o homem, qual o seu contexto? Ao contrário da mulher, a percepção do homem, nas últimas décadas, é de perda de poder e prestígio social. É verdade que, com a evolução dela, ele ganhou outras vantagens. Entretanto, nem sempre ele consegue enxergá-las ou valorizá-las, e por isto não chegam a compensá-las. A perda de status é sentida como mais importante e por ser atribuída a causas externas, ainda fere profundamente o orgulho de muitos deles. Soma-se a isto o fato de que também houve, para ele, perda de espaço profissional, por vários fatores, como pelo aumento da competitividade, inclusive com as mulheres, e por uma conjuntura econômica mais desafiadora. Por isto, muitos deles frequentemente veem seus sonhos de realização material e profissional frustrados. Neste contexto, o relacionamento afetivo se mostra como a brecha, isto é, o espaço onde o homem tem a possibilidade de compensar esta perda de poder, sentindo-se novamente forte e importante.
Inegavelmente, vivenciar o poder é prazeroso. Neste processo, ele não costuma ter consciência dos seus motivos reais, assim como a mulher não se dá conta do quanto contribui com a sua passividade, mas o fato é que estas condições se tornam absolutamente favoráveis ao crescimento da violência contra a mulher. A violência pode ser entendida como uma doença do relacionamento e no casal, se manifesta de forma insidiosa, ou seja, o crescimento da hostilidade é, geralmente, crônico e cresce aos poucos. Com o passar do tempo, o homem cria dependência deste prazer fácil e inconsequente que obtém, nos momentos de ira. Enquanto isto, a mulher perde, cada vez mais, a auto-estima e autoconfiança, ou seja, sua capacidade de agir positivamente para resolver o problema decresce. Isto explica o agravamento da doença e suas consequências devastadoras. Então, o que pretendemos é a cura desta doença. Mas, afinal, embora a resposta possa parecer óbvia, precisamos analisar… quem é o agente causador? Ou melhor, quem é o inimigo que se deseja derrotar?
Muitos responderam que é o parceiro violento. É dele que esta mulher precisa se livrar. Estes se enganam e as estatísticas mostram que se ela simplesmente se separar deste homem, tenderá a encontrar outro vilão no seu caminho, o que se pode entender facilmente, pois está condicionada a funcionar como vítima. Então, seu inimigo não é o parceiro. Outros diriam que o inimigo da violência é o medo. É verdade que esta mulher vive intensamente o medo da perda, mas, como qualquer outro medo humano, ele é natural e existe como um desafio a ser vencido.
O inimigo real desta mulher constitui-se de várias crenças que ela carrega, na sua fragilidade, na falta de merecimento do melhor, na falta de poder diante da situação, na sua visão de que não tem escolha e outras cognições restritivas, que lhe fecham as portas para as soluções. É por tudo isto que se pode afirmar que a cura está em fortalecer-se, em corrigir suas crenças a fim de perceber seu poder, sair do papel de vítima e treinar o de protagonista. O que é isto? Protagonista é um papel que se escolhe e se desenvolve. Não é natural. Segundo Rui Mesquita, “Protagonismo é a concepção da pessoa como fonte de iniciativa, que é ação; como fonte de liberdade, que é opção e como fonte de compromissos, que é a responsabilidade. Desta forma, a pessoa aprende fazendo, ocupando uma posição de centralidade no processo e é indutora de mudanças”. Somente assumindo a responsabilidade total pelo seu bem-estar, a mulher pode vencer seu medo e a violência. E isto ela conseguirá buscando ajuda, lendo e discutindo sobre o seu problema com quem entende; enfim, ampliando muito a sua visão desta doença, das relações e de si mesma, encontrando, assim, seus verdadeiros recursos e poder para se fazer feliz.
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