Na primeira eleição com a lei que criminaliza a violência política contra a mulher, o Ministério Público Federal soma 82 procedimentos abertos desde a vigência da novidade, em agosto do ano passado.
A coordenadora do Grupo de Trabalho de Prevenção e Combate à Violência Política de Gênero da Procuradoria-Geral Eleitoral, Raquel Branquinho, aponta que houve um crescimento das denúncias no período de campanha.
“Embora não tenhamos uma base de dados informativa adequada para fazer um comparativo, a percepção que tenho é que aumentou muito em razão de vários fatores”, apontou à CNN.
“Um deles é a própria promulgação da lei, que trouxe uma maior consciência coletiva desse tema, inclusive e principalmente para as próprias vítimas que passaram a melhor identificar situações que podem configurar violação política de gênero, que, no momento de campanha eleitoral, traduziu-se em ataques e discursos de ódio para desmerecer determinadas candidatas e também na ausência ou no subfinanciamento das campanhas eleitorais femininas”, acrescentou.
O MPF não tem um recorte específico de quantos casos registram conexão direta com o período eleitoral.
Mas a lista com os procedimentos abertos desde o início da legislação contava com 34 relatos até o fim de agosto, número que saltou para 82 até esta semana, com a adição de várias denúncias, por exemplo, do não recebimento de recursos de campanha por candidatas.
Em relação aos tipos, do total, 27 são casos de violência moral (como calúnia, difamação, atentados à reputação, críticas mentirosas e xingamentos); 25 de violência psicológica (como ameaças, manipulações e violação da intimidade); e 21 de violência econômica e estrutural (como negar acesso a recursos de campanha e danos à propriedade).
Ainda foram registrados 15 casos de violência simbólica (intimidação, silenciamento, restrição do uso da palavra, questionamentos sobre peso, sexualidade, etc); e 5 de violência física (como lesão corporal).
Vale destacar que alguns procedimentos dizem respeito a mais de um tipo de violência.
Já em relação ao meio que esses casos foram registrados, 25 ocorreram presencialmente e 38 na internet.
A procuradora Raquel Branquinho aponta que a “questão do maior conforto e liberdade para que as pessoas pratiquem atos de violência por meio da internet quando comparado a debates pessoais é um fenômeno constatado cientificamente.”
Na avaliação da coordenadora do Grupo de Trabalho de Prevenção e Combate à Violência Política de Gênero, o cenário de polarização ajuda a fomentar essa prática.
“Infelizmente, candidatos, pré-candidatos ou aspirantes a candidatos utilizam-se pautas de intolerância a determinados grupos ou pessoas e os grupos mais vulneráveis, principalmente mulheres negras e transexuais ou da própria comunidade LBGTQIA+ ou aquelas que defendem pautas progressivas, pois são alvos que garantem um intenso debate social em razão da pauta moral e muitas vezes rendem muitos votos”, colocou.
A lei estabelece que violência política contra a mulher é “toda ação, conduta ou omissão com a finalidade de impedir, obstaculizar ou restringir os direitos políticos das mulheres”, além de atos que levem à “distinção, exclusão ou restrição no reconhecimento, gozo, ou exercício de seus direitos e suas liberdades políticas fundamentais, em virtude do sexo”.
Raquel Branquinho acredita que ainda é um desafio reconhecer episódios de violência política de gênero, já que falas de cunho sexista e episódios de assédio acabam sendo normalizados como ‘brincadeiras’, mas acredita que a lei é um marco para uma mudança de postura e cultura no Brasil.
“Essa lei não apenas criminalizou condutas de assédio, perseguição, humilhação, ameaças, constrangimento de candidatas e detentoras de mandato eletivo, como determinou políticas afirmativas nessa temática, uma delas a determinação de que os partidos políticos estabeleçam, em seus estatutos, medidas de prevenção e repressão à violência política de gênero”, afirmou.
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