Laura Mury (*)
Segundo mostra do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), a última Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios – PNAD informa que no Brasil existe 4,8 milhões de mulheres a mais que homens, num total de 108,7 milhões de mulheres. Desse total, o mesmo estudo informa que 11 milhões dessas mulheres são denominadas “Mães Solo”. Numa comparação bem próxima, podemos pensar que esse número é quase o mesmo da quarta cidade mais populosa do mundo, São Paulo.
Entendem-se como Mãe Solo as mulheres que arcam sozinhas as responsabilidades da criação dos seus filhos e filhas no âmbito afetivo e financeiro. Apesar do termo já estar inserido na Academia Brasileira de Letras, essas mães, como proteção legal, só existe um Projeto de Lei (PL 3717/2021), de Eduardo Braga (MDB-AM), que determina prioridade para o atendimento às mães solo em diversas políticas sociais e econômicas. A PL foi aprovada em março de 2022 pelo senado e seguiu para a Câmara dos Deputados. Caso seja sancionada, as mulheres poderão ser beneficiadas com atendimento prioritário, cotas mínimas e subsídios, entre outras medidas.
No entanto, valem algumas reflexões sérias quanto à questão, pois mesmo mulheres que não permanecem em uma família monoparental, muitas delas vêm sustentando seus próprios maridos ou companheiros sendo que, devido à pandemia pelo Covid 19, estamos com um número alarmante de desempregados. As Mães Solo assumem assim para si uma carga exacerbada de trabalho afetando gravemente as suas vidas impedindo-as de realizarem grandes ou pequenos sonhos, de se dedicarem mais a si mesmas entre tantas outras ambições que ficam sempre colocadas para outra oportunidade. Essa realidade familiar está cada vez mais presente também nos casos das separações ou abandono pelos seus parceiros.
Mesmo com os avanços da sociedade quanto a aceitação da diversidade familiar, a Mãe Solo ainda é tratada com discriminação e comumente chamadas de mães solteiras. Outro ponto de difícil enfrentamento se encontra quando buscam responsabilizar o pai dos seus filhos para a divisão das tarefas educativas, financeiras e afetivas, quando é notória a imposição social da função da mãe como seu principal dever dos cuidados para com seus filhos e filhas.
Existem mães solo que, com boas condições financeiras, assumem este papel por deliberação própria e apesar de não deixarem de passar por situações difíceis, passam mais confortavelmente pelas circunstâncias. No entanto, as mais pobres, com baixos salários, acabam assumindo com enormes dificuldades todos os encargos dos seus filhos e filhas, deixando-os sem a devida proteção familiar e social, enquanto precisam trabalhar arduamente, dando oportunidade para que toda a situação familiar seja replicada por gerações. Fato é que taxa de gestantes com menos de 17 anos no Brasil é de 57%, um pouco menos como em países da África Subsaariana, onde passa dos 60%. Esses dados estão em um relatório do Fundo de População das Nações Unidas (Unfpa)- (Agência Brasil 7/2022).
Segundo o IBGE, as famílias comandadas por mulheres, 56,9% vivem abaixo da linha da pobreza. A pesquisa “Retrato das Desigualdades de Gênero e Raça” realizada em 2017 pelo Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea), em 2015, 83,5% das crianças brasileiras com menos de 4 anos tinham como primeira responsável uma mulher, seja mãe biológica, de criação ou madrasta. Da mesma forma, segundo dados do Conselho Nacional de Justiça (CNJ), com base no Censo Escolar de 2011, ainda há 5,5 milhões de crianças brasileiras sem registro paterno na certidão de nascimento.
Estamos falando em dados estatísticos que, infelizmente, acabam esquecidos logo após o conhecimento deles pelas pessoas. Na verdade, precisamos nos chocar com o drama dos Direitos diferenciados entre mulheres e homens em nosso país; do machismo ainda embutido em toda a sociedade; do preconceito e do descaso para com a vida das mulheres, seus filhos e filhas.
É preciso pensar que estamos refletindo sobre nós mesmas, nossas filhas, netas e todas as mulheres das próximas gerações que estão sujeitas a viverem dentro dessa mesma estrutura de desigualdade entre os gêneros.
“Não existe mãe solteira, porque mãe não é um estado civil” – Papa Francisco
Laura Mury – Mãe de quatro filhos, avó, professora, gestora em Direitos Humanos, fundadora e coordenadora geral do Tecle Mulher.