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Liz de Oliveira Motta Ferraz – Ativista feminista e dos direitos humanos das mulheres. Historiadora. Especialista em Gênero, Desenvolvimento Regional e Políticas Públicas (UFBA). A aluna do Mestrado em Educação e Contemporaneidade é UNEB”. Pesquisadora sobre violência…

Segundo o Dicionário Houaiss da Língua Portuguesa, no sentido pejorativo, vadia É toda a mulher que, embora não se prostitua, leva uma vida amoral e devassa; ou seja, aquela que tem vários parceiros (um após o outro ou simultaneamente), transa sem compromisso, usa roupas provocantes para chamar atenção aos contornos voluptuosos do seu corpo é carro chefe para suas conquistas e não segue os padrões morais da sociedade.
Essas covardias são consideradas uma mancha na sacrossanta estabilidade moral das famílias, pois se revelam péssimos exemplos as suas filhas e uma tentação para os maridos mais assanhadinhos. Em um sistema patriarcal de um Estado que se jura laico, mas aceita todas as sanções da Igreja, as vadias são o expurgo e a válvula de escape dos falsos moralistas. Se engravidaram é porque queriam dar o golpe da barriga, se são bonitas são burras, se foram estupradas é porque pediram por terem um estilo de vida sem regras e convencer, tentando os homens esses pobres seres não dotados de controle sobre o sexo.

Estupro: O que é o estupro? Acredito que todas/os saibam que é um crime cometido pela prática não consensual em uma relação sexual é através de violência ou ameaça. Dito isso, as vadias nã são estupradas, apenas recebem o que pedem pelo seu comportamento: sexo. Esse axioma foi rompido a partir de 2011, quando o policial canadense Michael Sanguinetti deu um conselho infeliz As estudantes da Universidade de Toronto, que pediam mais proteção policial devido ao aumento de abusos sexuais no local: “as mulheres evitassem se vestirem como vadias (sluts, no inglês original), para não serem vítimas”.

A indignação foi geral, pois ficou claro e verbalizado que se eram estupradas era porque incitavam o estupro. As vítimas passam a ser culpadas de um crime violento e que deixa marcas no corpo, na alma e no psicológico da estuprada. Como ser responsável por um crime que não se cometeu? Apenas por ser mulher? Pelo simples fato de usar determinado tipo de roupa ou não? Por ser livre? Pelo fato do estuprador ter bebido além da conta e perdeu a noção? Ou por que abusou do pó? Não importa. O comentário de Sanguinetti traduziu o que a sociedade, historicamente, pensa de nós, mulheres: somos objetos, somos pedaços de carne, não somos nada. E sendo nada e incomodando tanto, tínhamos que fazer alguma coisa para mudar a ordem (?) das coisas. Nasce a Marcha das Vadias naquele país, em março, e rapidamente toma uma proporção internacional. É um movimento que leva mulheres e até homens às ruas, seminuas ou vestindo roupas cotidianas ou provocantes e exigindo o respeito. As vadias, como se autodenominam, lutam para que a sociedade não as julgue pelo comportamento ou vestimenta. Deixam claro que o criminoso é o estuprador e não a violentada. Se são estupradas é porque a sociedade assim permite ou se omite.

Apesar de já ocorrer em diversos países, inclusive em várias cidades brasileiras, a Marcha ainda é vista como uma afronta às feministas radicais na sociedade. O sentido político do termo Vadia não é vislumbrado pelo senso comum; ou seja, o termo vadia ainda tem uma conotação pejorativa e estereotipada. É preciso que nós mulheres, principalmente, tenhamos a consciência de que nosso corpo nos pertence e nosso comportamento não deve ser moldado pelo viés machista. Ser vadia, hoje, significa lutar contra a violência que nos aflige há séculos. Não podemos mais aceitar as piadas, as cantadas de baixo calão, o assédio sexual, os tapinhas na bunda, as músicas de duplo sentido e, finalmente, não podemos mais nos sentir culpadas por sermos estupradas.

No Brasil a Marcha das Vadias divide opiniões, pois grande parcela que a compõe faz parte de um grupo jovem que tem acesso à educação e à informação. O senso comum ainda está de fora. Entre as próprias feministas, a Marcha é motivo de dissensões. Questiona-se se o movimento é um novo feminismo ou mais uma vertente do feminismo ou que ainda nada tenha de ideológico, apenas objetiva chocar e, por isso, pode enfraquecer ou perder o que já foi conquistado pelo feminismo propedêutico. Em minha opinião, a princípio, não existe feminismo, e sim feminismos, e a Marcha é um dos feminismos que compõem essa grande luta pela igualdade dos gêneros. Sinto-me uma vadia e faço questão em divulgar esse movimento irreverente e que propõe uma análise mais subjetiva sobre os padrões estabelecidos pela sociedade.

A Marcha incomoda porque mexe com temas considerados tabus, sigilosos, sujos e pecaminosos: o corpo feminino, a sexualidade, o sexo, as taras sexuais e a arrogância masculina em acreditar que tudo que envolve o feminino lhes pertence.

Se esses desrespeitos e abusos lhe incomodam tanto quanto a mim, eu lhe questiono: você é uma vadia? Porque eu sou.

(*) Ativista feminista e dos direitos humanos das mulheres. Historiadora. Especialista em Gênero, Desenvolvimento Regional e Políticas Públicas (UFBA). A aluna do Mestrado em Educação e Contemporaneidade é da UNEB. Pesquisadora sobre violên